Facções criminosas não são exclusividade de presídios e igualmente dominam centros socioeducativos de menores na Paraíba. Em algumas unidades, os adolescentes de diferentes facções nem sequer podem fazer as refeições no mesmo ambiente ou receber visitas no mesmo pátio. Ao todo, há oito centros socioeducativos no Estado, cinco deles na capital.
As secretarias de Administração Penitenciária e de Segurança Pública, assim como a Vara das Execuções Penais de João Pessoa, negam a existência das facções. Mas a rotina nas unidades precisa se adaptar à presença delas. Tudo é dividido, inclusive as aulas.
Em João Pessoa, a oposição entre as facções Okaida e Estados Unidos começa nos nomes. A primeira faz referência sonora ao grupo Al Qaeda; a outra leva o nome do principal país que combate esse grupo terrorista. Daí invade as ruas.
A disputa vem de anos e não tem um único motivo --pode tanto ser o tráfico de drogas quanto questões banais, como invadir a área de outro grupo. Em muros de escolas, em prédios públicos ou até residências, as facções deixam suas marcas por meio de pichações, em tentativa de marcar território.
Dentro dos centros socioeducativos, os menores são separados não pelo tipo de ato infracional que cometem, mas pela facção com que se identificam.
O presidente da Fundação Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice Almeida (Fundac), Noaldo Meireles, reconhece que a situação é delicada, mas disse que vem buscando contornar o problema por meio do diálogo.
"A logística é alterada. Desde atividades de lazer até as aulas, que são obrigatórias, temos o problema de não juntar os meninos. Se juntarmos, dá confusão. É um mal que já vem da rua e que aqui dentro temos que administrar", afirmou Meireles. Segundo ele, as refeições são feitas no quarto, e não no refeitório, também por conta desse problema.
O presidente da Fundac destacou que as facções limitam muito a rotina dos centros, reduzindo o tempo que os adolescentes passam em atividades de lazer, oficinas, sala de aula ou visita. Até o banho de sol sofre alterações. "Hoje eles passam cerca de uma hora no banho de sol, mas, se não tivesse o problema das facções, esse tempo poderia ser triplicado, chegando a três horas", explicou.
Internos também passam 40 minutos nas oficinas, quando poderiam passar quase duas horas, e 40 minutos em sala de aula, quando deveriam passar pelo menos três horas.
Alteração da rotina e impacto na ressocialização
A existência das facções criminosas nas unidades socioeducativas de João Pessoa consta no relatório divulgado pelo Comitê Estadual para Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba. As visitas foram realizadas em outubro deste ano. "Embora minimizada, a existência das facções desempenha papel fundamental na rotina das instituições e dos próprios jovens. Em sua maioria, as destinações dos jovens nas instituições atendem a critérios relativos às facções, havendo alas destinadas a cada uma delas", destaca trecho do relatório.
De acordo com o comitê, em todas as instituições de João Pessoa a Okaida é a facção majoritária. "Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a execução das medidas de internação deveriam atender aos critérios de idade, compleição física e gravidade da infração cometida pelo adolescente. No entanto, as unidades de João Pessoa estão totalmente superlotadas, contam com agentes socioeducativos terceirizados e com deficiências significativas na assistência psicossocial prestada aos internos", afirmou Diana Andrade, defensora pública da União.
Ainda de acordo com Diana, esses problemas, aliado a outros, "são o pano de fundo para a emergência de violência dentro das unidades e, enquanto for essa a realidade do sistema, é difícil desempoderar as facções e estabelecer uma forma de sociabilidade menos violenta entre os adolescentes". Segundo a defensora, a redução do tempo das atividades se torna insuficiente para
atender os jovens com qualidade.
O juiz auxiliar da Infância e Juventude de João Pessoa, Henrique Jacomé, afirmou que, com base na lei que disciplina as medidas socioeducativas, participar de oficinas, bem como frequência, rendimento e aproveitamento escolar são essenciais ao processo de socialização, ao lado do acompanhamento especializado multidisciplinar. "No tocante às facções, elas existem e atrapalham o trabalho de socialização", afirmou Jorge.
Ele destacou, contudo, que existem técnicas e formas de lidar com o problema, inclusive adotadas em outros países com sucesso. "Para isso é necessário um trabalho sério, responsável e profissional por parte de todos que atuam no processo socioeducativo, inclusive pelos agentes, equipe técnica, profissionais de saúde, educação, dentre outros. Caso contrário, o adolescente volta para a sociedade sem estar apto a viver nesse ambiente, contribuindo para o aumento da violência", explicou.
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/12/02/centros-de-menores-infratores-na-paraiba-sofrem-com-faccoes-criminosas.htm
MPs e DPU querem fim de facções e superlotação em centros da Fundac
Propostas foram assinadas por MPF, MPPB e Defensoria Pública da União.
Fundac promete avaliar recomendações para unidades socioeducativas.
A divisão dos adolescentes nos centros socioeducativos da Paraíba é feita por critérios de idade e afinidade, considerando o pertencimento a facções, e não pelos critérios legais. A informação consta no documento em que Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado da Paraíba (MPPB) e a Defensoria Pública da União (DPU) fazem recomendações à Fundação desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice Almeida (Fundac), divulgado nesta quinta-feira (1º).
Os órgãos pedem à Fundac o fim das facções criminosas e da superlotação nas unidades de internação de jovens suspeitos de atos infracionais. O presidente da Fundac, Noaldo Meireles, informou que está ciente das recomendações e vai avaliar todas as propostas, mas ainda não consultou o documento devido à organização de um seminário sobre socioeducação que acontece na cidade de João Pessoa.
Segundo o documento, facções criminosas existem no interior das instituições e, “embora minimizada, desempenha papel fundamental na rotina das instituições e dos próprios jovens”. O documento ressalta que a rotina dos internos é alterada em virtude dessa separação, com diferenciação nos horários das aulas, banhos de sol e demais atividade. “Isso faz com que as atividades disponham de menos tempo, tornando-se insuficiente para atender os jovens com qualidade”, dizem os órgãos.
Diante disso, os órgãos recomendam que a Fundac apresente proposta de criação de uma Central de Orientação e Direcionamento do Interno, que fará o cadastramento e destinação do adolescente infrator a uma das unidades do sistema socioeducativo, observando a legislação específica, as vagas disponíveis, a proximidade com a família, as características e objetivos de cada uma das instituições e sua capacidade de atendimento.
Devido a uma série de fugas e rebeliões acontecidas nos últimos meses, os órgãos ainda recomendam que a Fundac adote medidas para reduzir a superlotação e retirar objetos que possam causar riscos aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. De acordo com o documento, em até trinta dias, a Fundação deve adotar medidas imediatas para reduzir a superlotação no Centro Socioeducativo Edson Mota (CSE) e adequar a quantidade de internos à capacidade para a qual a unidade foi prevista.
A Fundac deve, também em 30 dias, retirar ou proteger objetos que possam causar riscos aos adolescentes e à equipe. Bocas de esgoto, lâmpadas fluorescentes e outros objetos cortantes ou contundentes que possam ser facilmente retirados ou acessados em situações de fuga ou rebelião e utilizadas como armas devem ser substituídos por outros sem potencial lesivo.
Entre as recomendações, também está a utilização de equipamentos de raio-X ou revista reversa, para que se esgote as revistas vexatórias. Além disso, a Fundac deve destinar aos familiares dos internos um espaço seguro e adequado de acolhimento por ocasião da visita familiar, inclusive com disponibilização de banheiros e realização de acolhida humanizada aos familiares. Também deve ser disponibilizado um espaço adequado para a realização de visitas íntimas, regulamentada no âmbito das instituições do sistema socioeducativo.
No prazo de um mês, a Fundac também deve disponibilizar um espaço destinado exclusivamente para a convivência protetora dos adolescentes ameaçados em sua integridade física e psicológica.
Medidas de médio e longo prazo
Em até 120 dias, o Ministério Público recomenda que a Fundac apresente uma proposta de criação de uma Central de Orientação e Direcionamento do Interno, para fazer o cadastramento e destinação do adolescente infrator a uma das unidades do sistema socioeducativo, obedecendo o Estatuto da Criança e do Adolescente e a lei que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
A recomendação também orienta que sejam instaladas câmeras de vídeo e equipamentos de raio-X para monitoramento das instalações do Centro, para garantir a apuração das condutas tidas como irregulares e evitar a revista vexatória nos visitantes. A Fundac também deve providenciar a criação de uma Ouvidoria para o recebimento de reclamações e sugestões.
Segundo o procurador regional dos direitos do cidadão, José Godoy Bezerra de Souza, foi realizado um diálogo com diversos setores envolvidos, possibilitando uma recomendação com peculiaridades e detalhes que retratam mais fielmente a realidade que se deseja modificar. “Nosso objetivo com a recomendação é possibilitar a ressocialização de todos os internos da unidade”, revelou Godoy.
Conforme a defensora regional dos direitos humanos, Diana Freitas Andrade, as unidades estão superlotadas, contam com agentes socioeducativos terceirizados e com deficiências significativas na assistência psicossocial prestada aos internos. “A recomendação é um esforço conjunto para garantir direitos fundamentais e combater a emergência de violência dentro e fora das unidades”, reforçou.
http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2016/12/mps-e-dpu-querem-fim-de-faccoes-e-superlotacao-em-centros-da-fundac.html