As secretarias de Administração Penitenciária e de Segurança Pública, assim como a Vara das Execuções Penais de João Pessoa, negam a existência das facções. Mas a rotina nas unidades precisa se adaptar à presença delas. Tudo é dividido, inclusive as aulas.
Em João Pessoa, a oposição entre as facções Okaida e Estados Unidos começa nos nomes. A primeira faz referência sonora ao grupo Al Qaeda; a outra leva o nome do principal país que combate esse grupo terrorista. Daí invade as ruas.
A disputa vem de anos e não tem um único motivo --pode tanto ser o tráfico de drogas quanto questões banais, como invadir a área de outro grupo. Em muros de escolas, em prédios públicos ou até residências, as facções deixam suas marcas por meio de pichações, em tentativa de marcar território.
O presidente da Fundação Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice Almeida (Fundac), Noaldo Meireles, reconhece que a situação é delicada, mas disse que vem buscando contornar o problema por meio do diálogo.
"A logística é alterada. Desde atividades de lazer até as aulas, que são obrigatórias, temos o problema de não juntar os meninos. Se juntarmos, dá confusão. É um mal que já vem da rua e que aqui dentro temos que administrar", afirmou Meireles. Segundo ele, as refeições são feitas no quarto, e não no refeitório, também por conta desse problema.
O presidente da Fundac destacou que as facções limitam muito a rotina dos centros, reduzindo o tempo que os adolescentes passam em atividades de lazer, oficinas, sala de aula ou visita. Até o banho de sol sofre alterações. "Hoje eles passam cerca de uma hora no banho de sol, mas, se não tivesse o problema das facções, esse tempo poderia ser triplicado, chegando a três horas", explicou.
Internos também passam 40 minutos nas oficinas, quando poderiam passar quase duas horas, e 40 minutos em sala de aula, quando deveriam passar pelo menos três horas.
Alteração da rotina e impacto na ressocialização
A existência das facções criminosas nas unidades socioeducativas de João Pessoa consta no relatório divulgado pelo Comitê Estadual para Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba. As visitas foram realizadas em outubro deste ano. "Embora minimizada, a existência das facções desempenha papel fundamental na rotina das instituições e dos próprios jovens. Em sua maioria, as destinações dos jovens nas instituições atendem a critérios relativos às facções, havendo alas destinadas a cada uma delas", destaca trecho do relatório.De acordo com o comitê, em todas as instituições de João Pessoa a Okaida é a facção majoritária. "Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a execução das medidas de internação deveriam atender aos critérios de idade, compleição física e gravidade da infração cometida pelo adolescente. No entanto, as unidades de João Pessoa estão totalmente superlotadas, contam com agentes socioeducativos terceirizados e com deficiências significativas na assistência psicossocial prestada aos internos", afirmou Diana Andrade, defensora pública da União.
Ainda de acordo com Diana, esses problemas, aliado a outros, "são o pano de fundo para a emergência de violência dentro das unidades e, enquanto for essa a realidade do sistema, é difícil desempoderar as facções e estabelecer uma forma de sociabilidade menos violenta entre os adolescentes". Segundo a defensora, a redução do tempo das atividades se torna insuficiente para
atender os jovens com qualidade.
O juiz auxiliar da Infância e Juventude de João Pessoa, Henrique Jacomé, afirmou que, com base na lei que disciplina as medidas socioeducativas, participar de oficinas, bem como frequência, rendimento e aproveitamento escolar são essenciais ao processo de socialização, ao lado do acompanhamento especializado multidisciplinar. "No tocante às facções, elas existem e atrapalham o trabalho de socialização", afirmou Jorge.
Ele destacou, contudo, que existem técnicas e formas de lidar com o problema, inclusive adotadas em outros países com sucesso. "Para isso é necessário um trabalho sério, responsável e profissional por parte de todos que atuam no processo socioeducativo, inclusive pelos agentes, equipe técnica, profissionais de saúde, educação, dentre outros. Caso contrário, o adolescente volta para a sociedade sem estar apto a viver nesse ambiente, contribuindo para o aumento da violência", explicou.
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/12/02/centros-de-menores-infratores-na-paraiba-sofrem-com-faccoes-criminosas.htm
MPs e DPU querem fim de facções e superlotação em centros da Fundac
Propostas foram assinadas por MPF, MPPB e Defensoria Pública da União.
Fundac promete avaliar recomendações para unidades socioeducativas.
A divisão dos adolescentes nos centros socioeducativos da Paraíba é feita por critérios de idade e afinidade, considerando o pertencimento a facções, e não pelos critérios legais. A informação consta no documento em que Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado da Paraíba (MPPB) e a Defensoria Pública da União (DPU) fazem recomendações à Fundação desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice Almeida (Fundac), divulgado nesta quinta-feira (1º).
Os órgãos pedem à Fundac o fim das facções criminosas e da superlotação nas unidades de internação de jovens suspeitos de atos infracionais. O presidente da Fundac, Noaldo Meireles, informou que está ciente das recomendações e vai avaliar todas as propostas, mas ainda não consultou o documento devido à organização de um seminário sobre socioeducação que acontece na cidade de João Pessoa.
Segundo o documento, facções criminosas existem no interior das instituições e, “embora minimizada, desempenha papel fundamental na rotina das instituições e dos próprios jovens”. O documento ressalta que a rotina dos internos é alterada em virtude dessa separação, com diferenciação nos horários das aulas, banhos de sol e demais atividade. “Isso faz com que as atividades disponham de menos tempo, tornando-se insuficiente para atender os jovens com qualidade”, dizem os órgãos.
Diante disso, os órgãos recomendam que a Fundac apresente proposta de criação de uma Central de Orientação e Direcionamento do Interno, que fará o cadastramento e destinação do adolescente infrator a uma das unidades do sistema socioeducativo, observando a legislação específica, as vagas disponíveis, a proximidade com a família, as características e objetivos de cada uma das instituições e sua capacidade de atendimento.
Devido a uma série de fugas e rebeliões acontecidas nos últimos meses, os órgãos ainda recomendam que a Fundac adote medidas para reduzir a superlotação e retirar objetos que possam causar riscos aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. De acordo com o documento, em até trinta dias, a Fundação deve adotar medidas imediatas para reduzir a superlotação no Centro Socioeducativo Edson Mota (CSE) e adequar a quantidade de internos à capacidade para a qual a unidade foi prevista.
A Fundac deve, também em 30 dias, retirar ou proteger objetos que possam causar riscos aos adolescentes e à equipe. Bocas de esgoto, lâmpadas fluorescentes e outros objetos cortantes ou contundentes que possam ser facilmente retirados ou acessados em situações de fuga ou rebelião e utilizadas como armas devem ser substituídos por outros sem potencial lesivo.
Entre as recomendações, também está a utilização de equipamentos de raio-X ou revista reversa, para que se esgote as revistas vexatórias. Além disso, a Fundac deve destinar aos familiares dos internos um espaço seguro e adequado de acolhimento por ocasião da visita familiar, inclusive com disponibilização de banheiros e realização de acolhida humanizada aos familiares. Também deve ser disponibilizado um espaço adequado para a realização de visitas íntimas, regulamentada no âmbito das instituições do sistema socioeducativo.
No prazo de um mês, a Fundac também deve disponibilizar um espaço destinado exclusivamente para a convivência protetora dos adolescentes ameaçados em sua integridade física e psicológica.
Medidas de médio e longo prazo
Em até 120 dias, o Ministério Público recomenda que a Fundac apresente uma proposta de criação de uma Central de Orientação e Direcionamento do Interno, para fazer o cadastramento e destinação do adolescente infrator a uma das unidades do sistema socioeducativo, obedecendo o Estatuto da Criança e do Adolescente e a lei que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
A recomendação também orienta que sejam instaladas câmeras de vídeo e equipamentos de raio-X para monitoramento das instalações do Centro, para garantir a apuração das condutas tidas como irregulares e evitar a revista vexatória nos visitantes. A Fundac também deve providenciar a criação de uma Ouvidoria para o recebimento de reclamações e sugestões.
Segundo o procurador regional dos direitos do cidadão, José Godoy Bezerra de Souza, foi realizado um diálogo com diversos setores envolvidos, possibilitando uma recomendação com peculiaridades e detalhes que retratam mais fielmente a realidade que se deseja modificar. “Nosso objetivo com a recomendação é possibilitar a ressocialização de todos os internos da unidade”, revelou Godoy.
Conforme a defensora regional dos direitos humanos, Diana Freitas Andrade, as unidades estão superlotadas, contam com agentes socioeducativos terceirizados e com deficiências significativas na assistência psicossocial prestada aos internos. “A recomendação é um esforço conjunto para garantir direitos fundamentais e combater a emergência de violência dentro e fora das unidades”, reforçou.
http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2016/12/mps-e-dpu-querem-fim-de-faccoes-e-superlotacao-em-centros-da-fundac.html
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