Bauru terá uma nova unidade da Fundação
Casa ainda neste ano. Com 56 novas vagas, o prédio pretende acolher o
número crescente de adolescentes infratores da cidade e região. A
instituição, que atualmente tem capacidade para atender a 88 jovens,
está com seis a mais.
O novo prédio está sendo construído desde
novembro de 2012, próximo ao que já está em funcionamento, na avenida
Lúcio Luciano, no Geisel.
A assessoria da instituição explica que
o excesso de internos é devidamente autorizado pelo juiz corregedor da
Fundação, que permite um excedente de até 15% da capacidade.
Também foi esclarecido que, quando não há vagas disponíveis na unidade daqui, o adolescente pode ser levado para outra cidade.
De
toda forma, o número excedente é mais uma prova de que a criminalidade
entre os adolescentes é crescente e algo precisa ser feito.
A
criação de novas vagas em um centro socioeducativo engrossa a polêmica
já existente em relação às penas estabelecidas aos adolescentes
infratores e à maioridade penal.
Há quem diga que a solução
para a criminalidade é a diminuição da maioridade, hoje de 18 anos, e o
aumento das penas para os adolescentes. Outros contestam essa
possibilidade sob o argumento de que a solução está na ampliação das
medidas públicas.
Os dois lados/ As penalidades
impostas aos adolescentes em conflito com a lei foram determinadas pelo
ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pelo Código Penal e pela
Constituição Federal.
Considerando-se que a adolescência é uma fase de desenvolvimento, o
ECA
estabelece que o menor não deve responder aos seus atos infracionais
como um adulto, através do Código Penal, mas sim ser submetido a um
conjunto diferenciado de penalidades.
As determinações que já vigoram há mais de 20 anos causam polêmicas.
O
crescente número de adolescentes envolvidos em crimes graves e até
bárbaros, como o caso do jovem que matou a sangue frio uma mulher em
Lençóis Paulista ao tentar assaltar um supermercado no ano passado, tem
levado parte da sociedade a pedir a diminuição da maioridade penal.
O
adolescente, assim, passaria a responder como adulto pelos seus atos
mais cedo. Outra solicitação é para que o tempo das penas impostas aos
menores, que hoje pode ficar no máximo por três anos internado, seja
maior.
O delegado da Diju (Delegacia de Polícia da Infância e
Juventude), Roberval Fabbro, é um dos que defendem essa ideia em Bauru.
Entre seus argumentos está o alto índice de reincidência dos jovens no
crime. Pelo menos 12 internos da Fundação Casa são reincidentes e o
número fica ainda maior da Liberdade Assistida, onde pelo menos 45
adolescentes já passaram por lá.
Fabbro ainda considera que com a
redução da maioridade para os 16 anos, por exemplo, os adolescentes
serão menos abordados pelos traficantes. “Hoje eles são usados pelo
tráfico porque as penas são brandas. Se eles tivessem que cumprir o
Código Penal, não seriam tão assediados”.
O juiz Ubirajara
Maintinguer, da Infância e Juventude, é contrário a essa opinião e tem
em seu coro a diretora da Fundação Casa de Bauru, Silvana Regina
Yonashiro. “Se diminuirmos a maioridade, os criminosos vão começar a
assediar adolescentes cada vez mais novos e até mesmo crianças”, pontua
Silvana.
Ela e Ubirajara explicam que o problema está também na
volta do adolescente ao ambiente de origem. “O que não deixa o
adolescente se recuperar é o fato de que quando ele sai da instituição
retorna para o ambiente, a família, o contexto sem estrutura que o
colocou no crime e não foi modificado”, nas palavras do juiz.
O meio termo/
O delegado Kleber Granja, da DIG (Delegacia de Investigações Gerais),
já vislumbra um meio termo à situação. Ele prevê a redução da maioridade
e o endurecimento das penas em conjunto ao reforço das políticas
públicas. “Só a redução não resolve. Não adianta colocar o jovem em um
sistema prisional com indivíduos de alta periculosidade. Por outro lado,
apenas três anos de internação para um homicídio é muito pouco”.
Kelber
considera que o adolescente deve continuar respondendo pelos seus atos
em unidades socioeducativas, mas que deve ficar por lá por mais tempo.
Ele
acredita que a partir dos 16 anos, por exemplo, o jovem já deve receber
o mesmo tempo de reclusão que um adulto por um crime grave como um
homicídio.
Junto a isso, ele sugere que a sociedade e o poder
público se mobilizem para que a criança e o adolescente não entrem no
crime. “Cada um tem que fazer a sua parte em uma mobilização geral”.
Da Febem à Fundação CasaAntes de tornar-se
Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente) a instituição que atendia aos adolescentes infratores era a
Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor). A mudança na
nomenclatura da instituição veio em 2006, junto a uma série de
reestruturações pelo qual ela passou para atender o que prevê o ECA em
relação à proteção integral da criança e do adolescente e após ser alvo
de duras críticas. Em Bauru, em 2006, a Febem recebeu uma série de
denúncias de maus tratos, levou a Comissão de Direitos Humanos da
sub-seção de Bauru da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) a pedir a
demissão dos diretores da instituição na época, com a alegação de que os
adolescentes internados eram torturados. Hoje, a Fundação Casa é
considerada referência nacional na metodologia socioeducativa que
utiliza na reeducação dos internos.
Pedro e José viveram a mesma Fundação, mas a vida faz parecer que não
Pedro, 17 anos, está há quatro meses na Fundação Casa por roubo e
garante que quando sair o caminho é estudar para ser um grande
empresário.
No plantão policial, José, 15, (ambos nomes fictícios) aguarda pela terceira vez o parecer do delegado por furto e roubo.
Pedro
roubava para ter o celular da moda, um par de tênis, comprar
refrigerantes, doces e coisas “gostosas” e levar pra casa. José furta e
rouba para sustentar o vício em drogas.
Os dois passaram pelas
mesmas medidas sócioeducativas, mas enquanto um garante que não volta
pro crime, o outro vê um futuro quase impossível sem ele. “Eu preciso
primeiro parar de usar a droga. Depois, mudar lá da favela, voltar pra
escola. É muita coisa, senhora!”, prevê José, cheio de realismo.
Pedro, por sua vez, faz planos. “Eu quero ser grande. Minha família é simples, mas ficou do meu lado quando eu vim pra cá”.
Ele
conta que a internação livrou sua vida de um possível fim. Ele
costumava surpreender pedestres. Sempre homens, jovens, que chama de
“boyzinhos”. Garante que nunca assaltou mulheres, idosos. “Eu só roubava
aqueles caras metidos, que tem um monte de coisas”.
Ele ainda treme
a voz e fica ofegante quando relembra o primeiro roubo. “O coração
disparou. Eu estava com mais medo do que a vítima”. Mas fica ainda mais
nervoso quando pensa nos planos que tinha antes de ser apreendido. “Eu e
meus colegas estávamos preparando um roubo grande, a banco. Eu poderia
estar morto”.
Por isso, considera que os quatro meses que ficou
na Fundação Casa já serviram de lição. “Minha família sofreu, mostrou
que se importava comigo e eu não vou mais fazer isso com eles e com a
minha vida”.
Pensa em fazer faculdade de administração de empresas,
ser chefe, dono do próprio negócio. “Você ainda vai ouvir falar bem de
mim”, garante ao BOM DIA.
Dentro do camburão, por sua vez, José
diz que as duas vezes em que esteve na Fundação não serviram de nada
porque a volta é sempre triste e igual. “Na primeira semana até que vai,
mas na segunda já começo a usar (drogas), já preciso comprar comida e
aí que faço o quê?”.
Os dois passaram pelas mesmas medidas, mas
de acordo com a vida que levam fora do resguardo da instituição, traçam
caminhos muito diferentes.
Opinião
Ubiraja Maintinguer, Juiz da Infância e Juventude em Bauru
Contra a redução e maiores penas
BOM DIA_ O que leva o adolescente ao crime?Quase
25 anos depois da criação do ECA, muito pouco se efetivou em relação a
preservação dos direitos da criança e do adolescente. Em um contexto
onde o Estado está longe, não há estrutura desde a infância e nem mesmo
profissionalização. O adolescente acaba sofrendo o assédio dos
criminosos, principalmente dos traficantes, e é levado ao crime.
A redução da maioridade e o aumento das penas podem resolver a criminalidade entre adolescentes?
O
nível de comprometimento com o qual os jovens chegam às unidades de
internação é muito profundo e o curto espaço de tempo em que ficam lá
não é suficiente para reeducá-los. Ainda assim, não adianta reduzir
idade ou aumentar penas. Há que se tratar as raízes do problema que
estão no ambiente desestruturado onde o jovem foi criado.
A sociedade está pronta para reduzir a maioridade?Isso
causaria uma espécie de “culpa coletiva” ao pensarmos que o Estado não
ofereceu os direitos como deveria e por essa incompetência irá prender o
adolescente. Além disso, os criminosos passariam a assediar
adolescentes mais jovens, que são ainda mais vulneráveis.
Roberval Fabbro,
Delegado da Diju
A favor do endurecimento
BOM DIA_ O que leva o adolescente para o crime?A
vulnerabilidade social é responsável por alguns dos casos, mas a falta
de estrutura familiar está em todos eles. O problema com a família leva o
adolescente a grupos não adequados, faz com que ele não receba as
devidas orientações e torna mais difícil a recuperação de um infrator.
A legislação para adolescentes infratores é eficaz?Nós
estamos avançando tanto na liberalização, com penas brandas,
alternativas penais, afrouxamento das leis, que no futuro teremos que
retroceder e dar mais forças às instituições que combatem o crime para
enfrentá-lo de forma emergencial. Não dá para entender como um rapaz de
17 anos mata alguém e não vai preso!
Como a redução da maioridade e o aumento das penas pode combater a criminalidade?Essas
medidas não vão acabar com o crime, mas os adolescentes, ao responderem
ao Código Penal, serão menos abordados pelos criminosos. O sistema
hoje não funciona na prática se vemos um crescimento no envolvimento
dos jovens com o crime. Pela natureza do trabalho da polícia eu não
consigo ver o adolescente como vítima do sistema. Eu penso nas pessoas
que estão sofrendo com os atos criminosos deles.
http://www.redebomdia.com.br/noticia/detalhe/44605/Fundacao+Casa+tera+nova+unidade