Desde ontem, o TJ (Tribunal de Justiça) do Estado de São Paulo, por meio do CSM (Conselho Superior de Magistratura), autoriza a Fundação Casa a ultrapassar em até 15% a capacidade total de vagas aos adolescentes nas unidades de internação de seu município. A medida, caso não seja bem fiscalizada, pode abrir precedente para superlotações, avaliam os especialistas entrevistados pelo Diário.
A situação já dá os primeiros sinais preocupantes no Grande ABC. Funcionários da unidade de Mauá, inaugurada em julho de 2006, acusam a presença de 20 adolescentes a mais no módulo de internação - a capacidade é de 40 vagas (mais 16 para internação provisória). O excedente, segundo os servidores, dorme em colchonetes no chão, em quartos, que, por vezes, alagam. Há ainda constantes boatos de rebelião e fuga.
A Fundação Casa admitiu nove adolescentes a mais. Dos 14 quartos da unidade (cada um para quatro meninos), em nove existe um interno a mais. Segundo a instituição estadual, o quadro não se traduz em situação desumana ou degradantes nem mesmo em superlotação.
Nos últimos anos, a Fundação Casa tem construído unidades descentralizadas e compactas - com capacidade para 56 vagas. Com os até 15% admitidos "excepcionalmente" pelo TJ, no artigo 7, parágrafo único, do Provimento 1.962/12, publicado ontem no Diário da Justiça, o limite chegará a mais oito jovens. No caso de Mauá, por exemplo, nos números apresentados pela entidade, o excedente já seria de um a mais ao limite estabelecido.
Para o vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e coordenador do Criança Prioridade 1, Grupo de Trabalho do Consórcio Intermunicipal, Ariel de Castro Alves, a nova legislação pode abrir precedentes não favoráveis ao trabalho de reintegração dos adolescentes. "O problema é que as exceções se tornam regras. Se trabalha sempre no limite", afirmou.
Opinião compartilhada por Leila Spoton, coordenadora do Núcleo da Infância e da Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. "É uma situação que nos preocupa, afinal a tendência é aumentar o número de internos", apontou.
Em Araraquara, cidade do interior paulista, a Defensoria Pública tem ação civil pública contra o Estado. Ali, a unidade tem capacidade para 88 adolescentes - hoje está com 99. "O TJ reconhece que há muitos adolescentes hoje internados, mas agora vai de encontro ao que determina o próprio Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente)", afirmou Leila, com o aval de Ariel.
Em São Bernardo, que possui dois prédios de internação - cada um com 56 vagas, a Fundação Casa informou que em unidade está hoje com 51 jovens; a outra, com 59. No Estado, são 8.120 internos.
Para Estado, há excesso de internações desnecessárias
Para a Fundação Casa, há atualmente excesso de internações desnecessárias pelo Poder Judiciário, principalmente de jovens primários apreendidos por tráfico de drogas, que provocam o esgotamento do sistema.
Não é esse o mesmo entendimento do juiz da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Bernardo, Luiz Carlos Ditommaso. "A não internação para o tráfico de drogas de adolescente primário é regra geral, mas não absoluta", defendeu.
Em reportagem do dia 12, o Diário registrou que o tráfico de drogas tem sido a principal causa de internação do adolescente infrator da região, juntamente do roubo qualificado. "Não basta apenas o infrator ser primário, mas um conjunto de fatores para colocarmos o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto (liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade)", avaliou Ditommaso, que há 28 anos atua na área.
O juiz se surpreendeu com a queda de 30% de adolescentes que deram entrada na Fundação Casa, de 2009 a 2011, segundo levantamento da entidade estadual e divulgado na mesma edição do Diário. Em São Bernardo, município onde atua, Ditommaso disse não ter sentido a redução.
"Não trabalho com estatísticas, mas com julgamentos. Em meados de março, em uma única semana (segunda a sexta-feira), por exemplo, tivemos 26 adolescentes apreendidos em flagrante", contou - em geral são entre três e dez. Naquele dia, o magistrado tinha 61 custodiados no aguardo de uma decisão - desses, 39 por tráfico de drogas.