De acordo com sindicato, governo encobriu 41 rebeliões em 2011. Este ano já foram 14 São Paulo – Jovens infratores fumam maconha e atendem seus celulares com a tranquilidade de quem está em casa. Infratores tomam cafezinho livremente e se os ânimos ficam acirrados chegam bolos para acalmar a moçada. A cena não é de filme. Segundo trabalhadores da Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, ex-Febem), esse é o dia a dia nos pátios da entidade, que tem unidades em todo o estado de São Paulo. “Não existe segurança nenhuma nas unidades. Quem controla são os adolescentes”, disse Benedito (os nomes dos entrevistados alterados a pedido dos trabalhadores, assim como os locais onde trabalham), funcionário da entidade . Apesar de haver registro formal das atividades socioeducativas, em diversas unidades elas ficam só no papel. “É para aparentar normalidade”, denuncia Benedito, citando um exemplo de ocorrências corriqueiras no dia a dia da instituição. “Esta semana adolescentes acuaram professores, tomaram materiais e colocaram todos para fora das salas de aula." Além de controlar o acesso de funcionários às dependências da fundação, os jovens - que na teoria cumprem medidas socioeducativas - também controlam quais internos terão atendimento médico e quais receberão remédios. Idas ao pronto-socorro à noite frequentemente são utilizadas para fuga. Principalmente nesses casos os adolescentes escolhem quem será 'atendido'. “O trabalhador é refém dos garotos. Coordenadores de várias unidades pediram afastamento e há locais sem nenhuma mulher, porque abandonaram tudo... elas têm medo”, disparou o funcionário. “Em uma unidade, eles fumam maconha e há poucos dias eles cismaram com as refeições e jogaram leite e pães pela janela. Virou um tapete de pães esparramados. Não tem disciplina, nada”, descreveu Benedito. Em outro episódio recente, o funcionário citou que os menores atearam fogo em uma ala, fizeram um refém que acabou hospitalizado, mas em nenhum momento a polícia foi acionada para conter a violência. "O que aconteceu é que, para acalmar, trouxeram dois bolos enormes para servir a eles.” De acordo com Geraldo, também funcionário da Fundação Casa, além de os trabalhadores estarem sujeitos a “condições penosas de trabalho”, o número é insuficiente. “É muito comum haver afastamento por depressão ou os profissionais prestarem outros concursos e deixarem os cargos.” A falta de funcionários dificulta a organização do trabalho, diz Geraldo. Regras de atendimento aos menores estipuladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não são cumpridas. “Há parâmetros para a separação dos adolescentes no artigo 123 do ECA, por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Mas infelizmente isso não é feito a contento”, alerta. “Nessas condições, sofrem todos: trabalhadores e assistidos.” Meninos com problemas mentais ou “mais simples” são constantemente molestados pelos adolescentes mais velhos, observou o trabalhador. “Há unidades em que quatro funcionários cuidam de 66 adolescentes, quando o ideal seriam 15 funcionários”, estima Benedito. “Tem homicida misturado com menino que cometeu pequenos furtos. Há estupros aqui dentro, e tudo é camuflado. A gente acaba levando adolescente sangrando para ser hospitalizado e tudo é camuflado”, relata. Segundo Julio Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência e Educação à Criança ao Adolescente e à Família do Estado de São Paulo (Sitraemfa), as medidas socioeducativas ficaram de lado. Com o número insuficiente de trabalhadores, o que se consegue “é evitar o pior, que um menor mate o outro”. Em 2011, o Sitraemfa contabilizou e denunciou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e à Corregedoria da Infância e Juventude quarenta e uma rebeliões. Este ano já ocorreram 14 levantes de menores, com 17 trabalhadores agredidos. “Em uma delas um trabalhador levou uma enxadada na cabeça que rendeu-lhe 17 pontos”, conta Benedito. Há registros de servidor com traumatismo craniano provocado por pauladas desferidas por internos; outro que apanhou com cabos de vassoura e um que teve o pescoço furado. Diante dos casos, o MPT deu início a uma ação civil pública para apurar as denúncias. Uma audiência está marcada para 19 de abril. A página da Fundação Casa na internet informa que o objetivo da instituição, vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, é “aplicar medidas socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)”. A entidade presta assistência a jovens de 12 a 21 anos incompletos em todo o estado, inseridos em medidas socioeducativas com privação de liberdade (internação) e semiliberdade. De acordo com o Sitraemfa, atualmente há em torno de 8.200 adolescentes internados no estado de São Paulo. O quadro total é de 12 mil trabalhadores. Mas há mais de 1,4 mil trabalhadores afastados devido a questões de saúde física e mental causadas pelas condições de trabalho. O atendimento direto é feito por 6 mil, quando o ideal seria 10 mil – levando-se em conta que há três turnos de trabalho. Traficantes e mediadores Em uma das unidades, Benedito afirmou que traficantes da região foram chamados para negociar o fim de uma rebelião com os internos. “Bandidos descem para tomar café dentro da unidade, porque foi um acordo que o diretor tinha firmado para que eles conseguissem mediar o fim de rebelião com os adolescentes.” Os jovens exigiam liberdade para o consumo de maconha nas unidades da antiga Febem e permissão para visita íntima. “Eles dizem que são homens”, comentou. A insegurança diária a que os trabalhadores são expostos tem levado uma parcela deles ao afastamento das atividades e até à reprodução da violência que presenciam diariamente, acredita Benedito. “Recentemente, um desses pais de família teve um surto e colocou fogo no próprio carro. Ele fica tão sobrecarregado quando sai daqui...”, justifica. Segundo ele, é preocupante o índice de trabalhadores que são usuários de álcool e drogas por conta da sobrecarga, da injustiça, da impossibilidade de fazer algo. “Cada vez que ele passa a porta aqui, ele é refém... Está indo para um matadouro. É uma fábrica de sadismo”, define Benedito.
Por: Suzana Vier, Rede Brasil Atual Publicado em 21/03/2012, 12:28
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