sábado, 5 de maio de 2012

Descaso na Fundação Casa em São Paulo torna atendimento socioeducativo inviável

De acordo com sindicato, governo encobriu 41 rebeliões em 2011. Este ano já foram 14 São Paulo – Jovens infratores fumam maconha e atendem seus celulares com a tranquilidade de quem está em casa. Infratores tomam cafezinho livremente e se os ânimos ficam acirrados chegam bolos para acalmar a moçada. A cena não é de filme. Segundo trabalhadores da Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, ex-Febem), esse é o dia a dia nos pátios da entidade, que tem unidades em todo o estado de São Paulo. “Não existe segurança nenhuma nas unidades. Quem controla são os adolescentes”, disse Benedito (os nomes dos entrevistados alterados a pedido dos trabalhadores, assim como os locais onde trabalham), funcionário da entidade . Apesar de haver registro formal das atividades socioeducativas, em diversas unidades elas ficam só no papel. “É para aparentar normalidade”, denuncia Benedito, citando um exemplo de ocorrências corriqueiras no dia a dia da instituição. “Esta semana adolescentes acuaram professores, tomaram materiais e colocaram todos para fora das salas de aula." Além de controlar o acesso de funcionários às dependências da fundação, os jovens - que na teoria cumprem medidas socioeducativas - também controlam quais internos terão atendimento médico e quais receberão remédios. Idas ao pronto-socorro à noite frequentemente são utilizadas para fuga. Principalmente nesses casos os adolescentes escolhem quem será 'atendido'. “O trabalhador é refém dos garotos. Coordenadores de várias unidades pediram afastamento e há locais sem nenhuma mulher, porque abandonaram tudo... elas têm medo”, disparou o funcionário. “Em uma unidade, eles fumam maconha e há poucos dias eles cismaram com as refeições e jogaram leite e pães pela janela. Virou um tapete de pães esparramados. Não tem disciplina, nada”, descreveu Benedito. Em outro episódio recente, o funcionário citou que os menores atearam fogo em uma ala, fizeram um refém que acabou hospitalizado, mas em nenhum momento a polícia foi acionada para conter a violência. "O que aconteceu é que, para acalmar, trouxeram dois bolos enormes para servir a eles.” De acordo com Geraldo, também funcionário da Fundação Casa, além de os trabalhadores estarem sujeitos a “condições penosas de trabalho”, o número é insuficiente. “É muito comum haver afastamento por depressão ou os profissionais prestarem outros concursos e deixarem os cargos.” A falta de funcionários dificulta a organização do trabalho, diz Geraldo. Regras de atendimento aos menores estipuladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não são cumpridas. “Há parâmetros para a separação dos adolescentes no artigo 123 do ECA, por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Mas infelizmente isso não é feito a contento”, alerta. “Nessas condições, sofrem todos: trabalhadores e assistidos.” Meninos com problemas mentais ou “mais simples” são constantemente molestados pelos adolescentes mais velhos, observou o trabalhador. “Há unidades em que quatro funcionários cuidam de 66 adolescentes, quando o ideal seriam 15 funcionários”, estima Benedito. “Tem homicida misturado com menino que cometeu pequenos furtos. Há estupros aqui dentro, e tudo é camuflado. A gente acaba levando adolescente sangrando para ser hospitalizado e tudo é camuflado”, relata. Segundo Julio Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência e Educação à Criança ao Adolescente e à Família do Estado de São Paulo (Sitraemfa), as medidas socioeducativas ficaram de lado. Com o número insuficiente de trabalhadores, o que se consegue “é evitar o pior, que um menor mate o outro”. Em 2011, o Sitraemfa contabilizou e denunciou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e à Corregedoria da Infância e Juventude quarenta e uma rebeliões. Este ano já ocorreram 14 levantes de menores, com 17 trabalhadores agredidos. “Em uma delas um trabalhador levou uma enxadada na cabeça que rendeu-lhe 17 pontos”, conta Benedito. Há registros de servidor com traumatismo craniano provocado por pauladas desferidas por internos; outro que apanhou com cabos de vassoura e um que teve o pescoço furado. Diante dos casos, o MPT deu início a uma ação civil pública para apurar as denúncias. Uma audiência está marcada para 19 de abril. A página da Fundação Casa na internet informa que o objetivo da instituição, vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, é “aplicar medidas socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)”. A entidade presta assistência a jovens de 12 a 21 anos incompletos em todo o estado, inseridos em medidas socioeducativas com privação de liberdade (internação) e semiliberdade. De acordo com o Sitraemfa, atualmente há em torno de 8.200 adolescentes internados no estado de São Paulo. O quadro total é de 12 mil trabalhadores. Mas há mais de 1,4 mil trabalhadores afastados devido a questões de saúde física e mental causadas pelas condições de trabalho. O atendimento direto é feito por 6 mil, quando o ideal seria 10 mil – levando-se em conta que há três turnos de trabalho. Traficantes e mediadores Em uma das unidades, Benedito afirmou que traficantes da região foram chamados para negociar o fim de uma rebelião com os internos. “Bandidos descem para tomar café dentro da unidade, porque foi um acordo que o diretor tinha firmado para que eles conseguissem mediar o fim de rebelião com os adolescentes.” Os jovens exigiam liberdade para o consumo de maconha nas unidades da antiga Febem e permissão para visita íntima. “Eles dizem que são homens”, comentou. A insegurança diária a que os trabalhadores são expostos tem levado uma parcela deles ao afastamento das atividades e até à reprodução da violência que presenciam diariamente, acredita Benedito. “Recentemente, um desses pais de família teve um surto e colocou fogo no próprio carro. Ele fica tão sobrecarregado quando sai daqui...”, justifica. Segundo ele, é preocupante o índice de trabalhadores que são usuários de álcool e drogas por conta da sobrecarga, da injustiça, da impossibilidade de fazer algo. “Cada vez que ele passa a porta aqui, ele é refém... Está indo para um matadouro. É uma fábrica de sadismo”, define Benedito.



 Por: Suzana Vier, Rede Brasil Atual Publicado em 21/03/2012, 12:28




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