domingo, 3 de agosto de 2014

Aécio desperdiça apelo popular da redução da maioridade penal

PEC de seu vice propõe julgar como adulto, por iniciativa do Ministério Público, o menor que vier a cometer crime hediondo, mas nem seu autor, o tucano Aloysio Nunes, percebe a força eleitoral dos 90% de brasileiros que querem punição para os menores criminosos

Champinha, que antes de assassinar um casal de namorados, estuprou a menina várias vezes: um menor assim tem recuperação?
Champinha, que antes de assassinar um casal de namorados, estuprou a menina várias vezes: um menor assim tem recuperação?

Redução da maioridade penal em pauta

Se a oposição tivesse um pouco mais de coragem política, ela procuraria escapar da camisa de força imposta pelos valores de esquerda, hegemônicos nas universidades e na imprensa, e colocaria no centro do debate eleitoral a questão da maioridade penal. O candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), apresentou a Proposta de Emenda Constitu­cional nº 33 (PEC 33/12), de 10 de abril de 2012, que prevê a possibilidade de desconsiderar a imputabilidade penal para menores entre 16 e 18 anos que venham a cometer crimes tipificados como hediondos. Em algumas ocasiões, sempre que o tema foi suscitado, Aécio Neves defendeu a proposta de seu vice, mas de forma tímida, sem afrontar o dogma da maioridade penal aos 18 anos, como se pedisse desculpas ao PT.

Para o Planalto e para a es­querda de um modo geral, a maioridade penal aos 18 anos é uma cláusula pétrea da Cons­tituição. Esse entendimento tem sido majoritário entre os juristas, especialmente entre os que cuidam da operacionalização do Estatuto da Criança e do Ado­lescente (ECA), como os promotores e juízes que atuam das Varas de Infância e Adolescência. No entanto, a insatisfação da so­ciedade brasileira com a maioridade penal aos 18 anos é anterior ao ECA e, logo depois da promulgação da Constituição de 88, começaram a surgir no Congres­so propostas que tinham como objetivo antecipar a faixa etária da imputabilidade penal. Já em 1989, o deputado carioca Amaral Netto (1921-1995), que integrava o PDS, sucedâneo da Arena (Alian­ça Reno­vadora Nacional), apresentou um projeto de lei na Câ­mara dos Deputados reduzindo a maioridade penal para 16 anos.

Diversas propostas parecidas foram apresentadas, ao longo dos últimos 25 anos tanto na Câmara quanto no Senado. Uma das mais ousadas é a PEC 90/2003, do senado Magno Malta (PR-ES), que, nos casos de crime hediondo, reduz a maioridade penal para 13 anos. Ou seja, qualquer menor com 13 anos ou mais que venha a praticar crimes como latrocínio e estupro, entre outros classificados como hediondos, será julgado de acordo com o Código Penal e poderá ser condenado a 30 anos de prisão, por exemplo. Essa PEC de Magno Malta foi apensada à PEC de Aloysio Nunes sobre maioridade penal, juntamente com outras quatro Pro­postas de Emenda à Constituição oriundas do próprio Senado e que tratam do mesmo tema.

Aécio Neves: pressão em defesa do DEM | Foto: Reprodução/Veja
Aécio Neves: defesa envergonhada da proposta de seu vice que estabelece uma redução relativa da maioridade penal

São elas: a PEC 20/1999, do ex-senador José Roberto Arruda (que integrava o DEM e, hoje, está no PR-DF), tornando imputáveis os infratores a partir dos 16 anos, desde que constatado seu amadurecimento intelectual; a PEC 74/2011, do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que torna penalmente imputáveis os maiores de 15 anos que vierem a cometer homicídio doloso ou roubo seguido de morte, tentados ou consumados; a PEC 83/2011, do senador Clésio Andrade (PMDB-MG), que estabelece a maioridade civil e penal aos 16 anos, tornando obrigatório o exercício do voto nesta idade; e a PEC 21/2013, do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que reduz a maioridade penal para 15 anos de idade, qualquer que seja a infração ou o crime cometido.

Todas essas propostas foram apreciadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em 19 de fevereiro último e foram derrotadas por 11 votos a 8, mas a proposta de Aloysio Nunes, valendo-se de brecha regimental, não deve se arquivada. Normalmente propostas do gênero continuariam hibernando durante anos na burocracia do processo legislativo sem nunca chegar a ser votada na mais importante comissão da Casa, mas como o presidente da CCJ, senador Vital do Rego (PMDB-PB), estava insatisfeito com a presidente Dilma Rous­seff por ter sido preterido na reforma ministerial, segundo especulou a imprensa, ele decidiu colocar as propostas em votação, expondo o Planalto ao desgaste de ter que se posicionar contra a redução da maioridade penal justamente em ano de eleição, contrariando a esmagadora maioria da população brasileira. A discussão da proposta na Comissão de Constituição e Justiça foi acalorada, com manifestantes contrários ao senador Aloysio Nu­nes. Um deles chegou a chamá-lo de fascista.

O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator da matéria, havia dado parecer favorável à PEC de Aloysio Nunes, a mais moderada de todas, e rejeitou as demais. Em seu parecer, Ferraço discorreu sobre a maioridade penal no mundo, mostrando que, em países como o Canadá, por exemplo, um menor de 14 anos, dependendo da gravidade do crime, pode responder perante a Justiça como adulto. E citou dados sobre o aumento da criminalidade juvenil, mostrando que, nos últimos 12 anos, já sob a vigência do ECA, os atos infracionais praticados por adolescentes cresceram aproximadamente 80%, saltando de 8 mil casos em 2000 para 14,4 mil casos em 2012. Já o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) apresentou relatório em separado, posicionando-se de modo contrário a todas as propostas de redução da maioridade penal, inclusive à do senador tucano, alegando que ela fere a Constituição, pois, no seu entender, a maioridade penal aos 18 anos é cláusula pétrea.

Os fatos apresentados por Aloysio Nunes na justificativa de sua proposta também foram contundentes. “Não se pode questionar o fato de que sob a proteção deste mesmo Estatuto (ECA), menores infratores, muitas das vezes patrocinados por maiores criminosos, praticam reiterada e acintosamente delitos que vão desde pequenos furtos, até crimes como tráfico de drogas e mesmo homicídios, confiantes na impunidade que a Constituição e o ECA lhes conferem”, afirma o senador, com rara assertividade, levando em conta que se trata de um tucano. Aloysio Nunes ilustrou a impunidade promovida pelo ECA com o caso de um menor de Jaguaretama, no Ceará, hoje já maior de idade e livre, que é assassino confesso de 11 pessoas, crimes praticados quando tinha entre 15 e 18 anos. Outro adolescente, de Maringá, co­nhecido como o “Cão de Zor­ba”, confessou ter matado três pessoas e teria encomendado a morte de mais quatro.

Já em São Paulo, um menor de 17 anos, ligado à organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), confessou a morte de seis pessoas a mando de traficantes. Seu primeiro assassinato foi cometido quando tinha apenas 12 anos. O senador Aloysio Nunes cita ainda o caso de um menor de 17 anos que, em 2 de abril de 2012, atacou a promotora Camila Santos da Cunha durante uma audiência em Soledade, no norte do Rio Grande do Sul. No final da audiência, o criminoso mirim – que respondia a 112 processos como menor infrator – pegou uma tesoura que estava sobre a mesa do próprio juiz e com ela desferiu uma cutilada no pescoço da promotora, que conseguiu se esquivar a tempo. O menor tentou desferir um novo ataque, mas felizmente foi contido pelos guardas. Por fim, Aloysio Nunes cita o caso de Champinha, que, antes de assassinar Liana e Felipe, estuprando repetidas vezes a menina, já tinha uma longa ficha corrida em instituições para menores infratores.

ECA é a lei mais poderosa do País

A despeito de apresentar todos esses fatos que atestam o quanto o ECA garante a impunidade e, com isso, fomenta a criminalidade juvenil, o senador Aloysio Nunes praticamente pede desculpas por criticar o Estatuto. “É fato que o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não foi integralmente implementado e, portanto, não se pode ainda avaliar concretamente seus resultados, de molde a apontarmos para o seu sucesso ou fracasso”, afirma o senador tucano, repetindo a cantilena de promotores e juízes, sem perceber o quanto ela é mentirosa. O ECA é a única lei, de fato, aplicada no País. Nesse ponto, iguala ou até supera a legislação sobre pensão alimentícia. O menor infrator é intocável e até mesmo a imprensa, acostumada a desafiar políticos e empresários poderosos, jamais ousou mostrar o rosto de um menor de idade que comete crimes bárbaros, como os que queimaram viva uma dentista.

Aloysio Nunes cita dados de uma pesquisa do Conselho Na­cio­nal de Justiça (CNJ) sobre as condições de internação dos “jovens em conflito com a lei” (eufemismo abjeto para menores criminosos) e observa que o grau de reincidência chega a 43,3% entre os 17.502 jovens internados e alcança 54% quando analisados os 14.613 processos de execução de medidas socioeducativas. A despeito disso, o senador ressalva: “Não queremos dizer que os reincidentes são irrecuperáveis, muito pelo contrário. O ECA continua a ser uma das mais avançadas legislações do mundo e é necessário que o Estado proveja os meios à sua total e efetiva implementação”. Se o ECA é assim tão perfeito e seu único problema é não ter sido totalmente aplicado pelo Estado brasileiro, por que Aloysio Nunes não rasgou sua proposta de emenda à Constituição e não a atirou na lata de lixo do Senado?

Causa asco ver o senador afirmar que “os reincidentes não são recuperáveis, muito pelo contrário”. Por acaso, um gênio precoce do mal que mata 11 pessoas entre os 15 e os 18 anos é recuperável? E mais: merece ter direito à recuperação? Não tenho dúvida em afirmar: quanto mais cedo uma pessoa se dedica à prática de crimes mais irrecuperável ela é. Assim como a experiência só tende a fazer bem a um gênio como Mozart, apurando seu talento nato de menino-prodígio, também a experiência de vida do menor infrator só tende a aumentar seu grau de periculosidade, acrescentando à sua maldade precoce a astúcia adquirida com a prática de crimes. Uma pessoa capaz de matar em tenra idade revela um grau de crueldade raro e só merece um destino – a exclusão definitiva do meio social, o que só é possível mediante a pena de morte.

É claro que um senador que quer ser vice-presidente da República não precisa se ater à verdade com o grau de franqueza que exprimo aqui. O Brasil é um País cristão, ainda majoritariamente católico, e a pena de morte divide a população, em que pese já ter alcançado 55% de aprovação numa pesquisa Datafolha realizada em 2007, mesmo sendo atacada permanentemente nas escolas e nos meios de comunicação. Mas, no afã de não desagradar os defensores do ECA, Aloysio Nunes não precisava faltar com a verdade como fez na justificativa de sua proposta ao afirmar textualmente: “Como se vê, a polêmica que envolve a matéria recomenda cautela na sua apreciação. O Senado, co­mo de resto toda a sociedade bra­sileira, parece dividida. São plenos de validade os principais argumentos de todas as correntes”.

Oposição tucana é petismo envergonhado

Não me lembro de jamais ter visto uma pesquisa de opinião pública em que a redução da maioridade penal tivesse menos de 80% de aprovação no País. Esse é um clamor praticamente unânime da sociedade brasileira. Em outubro de 2012, uma pesquisa do Data-Senado, instituto de pesquisa do Senado Federal, constatou que 89% dos brasileiros eram favoráveis à redução da maioridade penal: 35% dos entrevistados defenderam a redução para 16 anos; 20% manifestaram o desejo de que não houvesse uma idade-limite mínima; 18% defenderam a redução para 14 anos; e 16% disseram que uma criança de 12 anos já pode receber a mesma condenação de um adulto.

Em junho do ano passado, uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), realizada pelo Instituto MDA, constatou que 92,7% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal. Em abril de 2013, dois meses antes, uma pesquisa do Datafolha trouxe índice praticamente idêntico – 93% dos paulistanos se declararam favoráveis à redução. Em 2003, a redução da maioridade penal tinha 83% de aprovação na capital paulista e, em 2008, esse índice subiu para 88%. Onde está, portanto, a divisão da sociedade brasileira quanto à redução da maioridade penal, como acredita Aloysio Nunes?

Se mesmo com toda a campanha do Estado brasileiro em favor do ECA, a proposta de redução da maioridade penal ultrapassa a casa dos 90% de aprovação, imaginem se ela tivesse defensores de peso nas escolas, universidades e imprensa? Esse apoio beiraria os 100% e a parte contrária ficaria reduzida aos ideólogos de sempre, que teimam em brigar com os fatos e a moral. Infelizmente, a oposição tucana — que não passa de um petismo envergonhado — não percebe isso e tem vergonha de ouvir e falar a voz do povo, defendendo, de peito aberto, a redução da maioridade penal – algo que, por sinal, está embutido na proposta envergonhada de Aloysio Nunes.

A PEC 33/2012, de sua autoria, prevê que a inimputabilidade penal dos maiores de 16 e menores de 18 anos poderá ser desconsiderada pela Justiça nos casos em que o menor nesta faixa etária vier a praticar crime hediondo. Ou seja, o menor a partir de 16 anos que praticar latrocínio, estupro, tortura ou outros crimes graves, perderia a proteção do ECA e seria julgado como adulto, submetendo-se às sanções do Código Penal, ainda que dispondo de condições especiais para o cumprimento da pena. Na prática, o menor dificilmente será condenado como adulto, pois a PEC estabelece que a iniciativa para desconsiderar a inimputabilidade é exclusiva dos promotores e juízes das Varas de Infância e Juventude, ouvindo especialistas da área, o que significa que o menor criminoso, em vez de avaliadores, teria advogados.

Plebiscito pode ser o caminho

É preciso reconhecer, no entanto, que a PEC de Aloysio Nunes sobre maioridade penal é a única com alguma chance de não ser declarada inconstitucional pelo Supremo. Como ela não reduz, de fato, a maioridade penal e condiciona a punição do menor criminoso ao poder discricionário de juízes, promotores e técnicos, a tendência é que encontre respaldo entre os operadores do direito e suscite a simpatia dos formadores de opinião da esquerda moderada, que não se alinham com a visão dogmática do PT sobre maioridade penal. Prova disso é que a PEC de Aloysio Nunes teve o apoio do senador Pedro Taques (PDT-MT), o promotor público que herdou a influência jurídica de Demóstenes Torres no Senado.

Aloysio Nunes e Pedro Taques
Aloysio Nunes e Pedro Taques

Mas nem Aécio Neves percebe o apelo eleitoral da PEC de seu vice, caso fosse trabalhada como o passo possível, no momento, em direção à redução da maioridade penal. Segundo reportagem do “Estadão”, de 19 de fevereiro deste ano, quando a PEC de Aloysio Nunes foi votada na Comissão de Constituição e Justiça, Aécio Neves se omitiu: ele deixou a comissão antes de ter início a votação e não se manifestou sobre a proposta. Quando indagado sobre o tema, Aécio defende a proposta de seu vice, mas faz questão de ressaltar que ela atinge apenas 1% dos jovens (aqueles que cometem crime hediondo) e que se trata de uma solução paliativa. “A solução é a educação, é a oportunidade, é fazer o Brasil crescer” – diz Aécio.

Pelo visto, o candidato tucano depende exclusivamente do fracasso da política econômica do governo petista para derrotar a presidente Dilma Rousseff, assim como deve agradecer à Alemanha por ter goleado o Brasil, desnudando o fiasco da Copa, que ficaria escondido por trás da conquista do hexa. Como mostram todas as pesquisas de opinião, cerca de 90% dos brasileiros favoráveis à redução da maioridade penal. Mas, como bom tucano, Aécio Neves prefere pedir licença aos 10% que são contra sempre que defende timidamente a proposta. Está sendo muito mais petista do que Lula, afinal os petistas representam bem mais de 10% do eleitorado nacional. Plebiscito já para discutir maioridade penal! É o que deveria propor Aécio se quisesse enfrentar Dilma no campo dos valores, tornando-se menos dependente dos acasos da economia.


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