Champinha, que antes de assassinar um casal de namorados, estuprou a menina várias vezes: um menor assim tem recuperação? |
Redução da maioridade penal em pauta
Se a oposição tivesse um pouco mais de coragem política, ela procuraria escapar da camisa de força imposta pelos valores de esquerda, hegemônicos nas universidades e na imprensa, e colocaria no centro do debate eleitoral a questão da maioridade penal. O candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), apresentou a Proposta de Emenda Constitucional nº 33 (PEC 33/12), de 10 de abril de 2012, que prevê a possibilidade de desconsiderar a imputabilidade penal para menores entre 16 e 18 anos que venham a cometer crimes tipificados como hediondos. Em algumas ocasiões, sempre que o tema foi suscitado, Aécio Neves defendeu a proposta de seu vice, mas de forma tímida, sem afrontar o dogma da maioridade penal aos 18 anos, como se pedisse desculpas ao PT.
Para o Planalto e para a esquerda de um modo geral, a maioridade penal aos 18 anos é uma cláusula pétrea da Constituição. Esse entendimento tem sido majoritário entre os juristas, especialmente entre os que cuidam da operacionalização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como os promotores e juízes que atuam das Varas de Infância e Adolescência. No entanto, a insatisfação da sociedade brasileira com a maioridade penal aos 18 anos é anterior ao ECA e, logo depois da promulgação da Constituição de 88, começaram a surgir no Congresso propostas que tinham como objetivo antecipar a faixa etária da imputabilidade penal. Já em 1989, o deputado carioca Amaral Netto (1921-1995), que integrava o PDS, sucedâneo da Arena (Aliança Renovadora Nacional), apresentou um projeto de lei na Câmara dos Deputados reduzindo a maioridade penal para 16 anos.
Diversas propostas parecidas foram apresentadas, ao longo dos últimos 25 anos tanto na Câmara quanto no Senado. Uma das mais ousadas é a PEC 90/2003, do senado Magno Malta (PR-ES), que, nos casos de crime hediondo, reduz a maioridade penal para 13 anos. Ou seja, qualquer menor com 13 anos ou mais que venha a praticar crimes como latrocínio e estupro, entre outros classificados como hediondos, será julgado de acordo com o Código Penal e poderá ser condenado a 30 anos de prisão, por exemplo. Essa PEC de Magno Malta foi apensada à PEC de Aloysio Nunes sobre maioridade penal, juntamente com outras quatro Propostas de Emenda à Constituição oriundas do próprio Senado e que tratam do mesmo tema.
Aécio Neves: defesa envergonhada da proposta de seu vice que estabelece uma redução relativa da maioridade penal |
São elas: a PEC 20/1999, do ex-senador José Roberto Arruda (que integrava o DEM e, hoje, está no PR-DF), tornando imputáveis os infratores a partir dos 16 anos, desde que constatado seu amadurecimento intelectual; a PEC 74/2011, do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que torna penalmente imputáveis os maiores de 15 anos que vierem a cometer homicídio doloso ou roubo seguido de morte, tentados ou consumados; a PEC 83/2011, do senador Clésio Andrade (PMDB-MG), que estabelece a maioridade civil e penal aos 16 anos, tornando obrigatório o exercício do voto nesta idade; e a PEC 21/2013, do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que reduz a maioridade penal para 15 anos de idade, qualquer que seja a infração ou o crime cometido.
Todas essas propostas foram apreciadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em 19 de fevereiro último e foram derrotadas por 11 votos a 8, mas a proposta de Aloysio Nunes, valendo-se de brecha regimental, não deve se arquivada. Normalmente propostas do gênero continuariam hibernando durante anos na burocracia do processo legislativo sem nunca chegar a ser votada na mais importante comissão da Casa, mas como o presidente da CCJ, senador Vital do Rego (PMDB-PB), estava insatisfeito com a presidente Dilma Rousseff por ter sido preterido na reforma ministerial, segundo especulou a imprensa, ele decidiu colocar as propostas em votação, expondo o Planalto ao desgaste de ter que se posicionar contra a redução da maioridade penal justamente em ano de eleição, contrariando a esmagadora maioria da população brasileira. A discussão da proposta na Comissão de Constituição e Justiça foi acalorada, com manifestantes contrários ao senador Aloysio Nunes. Um deles chegou a chamá-lo de fascista.
O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator da matéria, havia dado parecer favorável à PEC de Aloysio Nunes, a mais moderada de todas, e rejeitou as demais. Em seu parecer, Ferraço discorreu sobre a maioridade penal no mundo, mostrando que, em países como o Canadá, por exemplo, um menor de 14 anos, dependendo da gravidade do crime, pode responder perante a Justiça como adulto. E citou dados sobre o aumento da criminalidade juvenil, mostrando que, nos últimos 12 anos, já sob a vigência do ECA, os atos infracionais praticados por adolescentes cresceram aproximadamente 80%, saltando de 8 mil casos em 2000 para 14,4 mil casos em 2012. Já o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) apresentou relatório em separado, posicionando-se de modo contrário a todas as propostas de redução da maioridade penal, inclusive à do senador tucano, alegando que ela fere a Constituição, pois, no seu entender, a maioridade penal aos 18 anos é cláusula pétrea.
Os fatos apresentados por Aloysio Nunes na justificativa de sua proposta também foram contundentes. “Não se pode questionar o fato de que sob a proteção deste mesmo Estatuto (ECA), menores infratores, muitas das vezes patrocinados por maiores criminosos, praticam reiterada e acintosamente delitos que vão desde pequenos furtos, até crimes como tráfico de drogas e mesmo homicídios, confiantes na impunidade que a Constituição e o ECA lhes conferem”, afirma o senador, com rara assertividade, levando em conta que se trata de um tucano. Aloysio Nunes ilustrou a impunidade promovida pelo ECA com o caso de um menor de Jaguaretama, no Ceará, hoje já maior de idade e livre, que é assassino confesso de 11 pessoas, crimes praticados quando tinha entre 15 e 18 anos. Outro adolescente, de Maringá, conhecido como o “Cão de Zorba”, confessou ter matado três pessoas e teria encomendado a morte de mais quatro.
Já em São Paulo, um menor de 17 anos, ligado à organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), confessou a morte de seis pessoas a mando de traficantes. Seu primeiro assassinato foi cometido quando tinha apenas 12 anos. O senador Aloysio Nunes cita ainda o caso de um menor de 17 anos que, em 2 de abril de 2012, atacou a promotora Camila Santos da Cunha durante uma audiência em Soledade, no norte do Rio Grande do Sul. No final da audiência, o criminoso mirim – que respondia a 112 processos como menor infrator – pegou uma tesoura que estava sobre a mesa do próprio juiz e com ela desferiu uma cutilada no pescoço da promotora, que conseguiu se esquivar a tempo. O menor tentou desferir um novo ataque, mas felizmente foi contido pelos guardas. Por fim, Aloysio Nunes cita o caso de Champinha, que, antes de assassinar Liana e Felipe, estuprando repetidas vezes a menina, já tinha uma longa ficha corrida em instituições para menores infratores.
ECA é a lei mais poderosa do País
A despeito de apresentar todos esses fatos que atestam o quanto o ECA garante a impunidade e, com isso, fomenta a criminalidade juvenil, o senador Aloysio Nunes praticamente pede desculpas por criticar o Estatuto. “É fato que o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não foi integralmente implementado e, portanto, não se pode ainda avaliar concretamente seus resultados, de molde a apontarmos para o seu sucesso ou fracasso”, afirma o senador tucano, repetindo a cantilena de promotores e juízes, sem perceber o quanto ela é mentirosa. O ECA é a única lei, de fato, aplicada no País. Nesse ponto, iguala ou até supera a legislação sobre pensão alimentícia. O menor infrator é intocável e até mesmo a imprensa, acostumada a desafiar políticos e empresários poderosos, jamais ousou mostrar o rosto de um menor de idade que comete crimes bárbaros, como os que queimaram viva uma dentista.
Aloysio Nunes cita dados de uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre as condições de internação dos “jovens em conflito com a lei” (eufemismo abjeto para menores criminosos) e observa que o grau de reincidência chega a 43,3% entre os 17.502 jovens internados e alcança 54% quando analisados os 14.613 processos de execução de medidas socioeducativas. A despeito disso, o senador ressalva: “Não queremos dizer que os reincidentes são irrecuperáveis, muito pelo contrário. O ECA continua a ser uma das mais avançadas legislações do mundo e é necessário que o Estado proveja os meios à sua total e efetiva implementação”. Se o ECA é assim tão perfeito e seu único problema é não ter sido totalmente aplicado pelo Estado brasileiro, por que Aloysio Nunes não rasgou sua proposta de emenda à Constituição e não a atirou na lata de lixo do Senado?
Causa asco ver o senador afirmar que “os reincidentes não são recuperáveis, muito pelo contrário”. Por acaso, um gênio precoce do mal que mata 11 pessoas entre os 15 e os 18 anos é recuperável? E mais: merece ter direito à recuperação? Não tenho dúvida em afirmar: quanto mais cedo uma pessoa se dedica à prática de crimes mais irrecuperável ela é. Assim como a experiência só tende a fazer bem a um gênio como Mozart, apurando seu talento nato de menino-prodígio, também a experiência de vida do menor infrator só tende a aumentar seu grau de periculosidade, acrescentando à sua maldade precoce a astúcia adquirida com a prática de crimes. Uma pessoa capaz de matar em tenra idade revela um grau de crueldade raro e só merece um destino – a exclusão definitiva do meio social, o que só é possível mediante a pena de morte.
É claro que um senador que quer ser vice-presidente da República não precisa se ater à verdade com o grau de franqueza que exprimo aqui. O Brasil é um País cristão, ainda majoritariamente católico, e a pena de morte divide a população, em que pese já ter alcançado 55% de aprovação numa pesquisa Datafolha realizada em 2007, mesmo sendo atacada permanentemente nas escolas e nos meios de comunicação. Mas, no afã de não desagradar os defensores do ECA, Aloysio Nunes não precisava faltar com a verdade como fez na justificativa de sua proposta ao afirmar textualmente: “Como se vê, a polêmica que envolve a matéria recomenda cautela na sua apreciação. O Senado, como de resto toda a sociedade brasileira, parece dividida. São plenos de validade os principais argumentos de todas as correntes”.
Oposição tucana é petismo envergonhado
Não me lembro de jamais ter visto uma pesquisa de opinião pública em que a redução da maioridade penal tivesse menos de 80% de aprovação no País. Esse é um clamor praticamente unânime da sociedade brasileira. Em outubro de 2012, uma pesquisa do Data-Senado, instituto de pesquisa do Senado Federal, constatou que 89% dos brasileiros eram favoráveis à redução da maioridade penal: 35% dos entrevistados defenderam a redução para 16 anos; 20% manifestaram o desejo de que não houvesse uma idade-limite mínima; 18% defenderam a redução para 14 anos; e 16% disseram que uma criança de 12 anos já pode receber a mesma condenação de um adulto.
Em junho do ano passado, uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), realizada pelo Instituto MDA, constatou que 92,7% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal. Em abril de 2013, dois meses antes, uma pesquisa do Datafolha trouxe índice praticamente idêntico – 93% dos paulistanos se declararam favoráveis à redução. Em 2003, a redução da maioridade penal tinha 83% de aprovação na capital paulista e, em 2008, esse índice subiu para 88%. Onde está, portanto, a divisão da sociedade brasileira quanto à redução da maioridade penal, como acredita Aloysio Nunes?
Se mesmo com toda a campanha do Estado brasileiro em favor do ECA, a proposta de redução da maioridade penal ultrapassa a casa dos 90% de aprovação, imaginem se ela tivesse defensores de peso nas escolas, universidades e imprensa? Esse apoio beiraria os 100% e a parte contrária ficaria reduzida aos ideólogos de sempre, que teimam em brigar com os fatos e a moral. Infelizmente, a oposição tucana — que não passa de um petismo envergonhado — não percebe isso e tem vergonha de ouvir e falar a voz do povo, defendendo, de peito aberto, a redução da maioridade penal – algo que, por sinal, está embutido na proposta envergonhada de Aloysio Nunes.
A PEC 33/2012, de sua autoria, prevê que a inimputabilidade penal dos maiores de 16 e menores de 18 anos poderá ser desconsiderada pela Justiça nos casos em que o menor nesta faixa etária vier a praticar crime hediondo. Ou seja, o menor a partir de 16 anos que praticar latrocínio, estupro, tortura ou outros crimes graves, perderia a proteção do ECA e seria julgado como adulto, submetendo-se às sanções do Código Penal, ainda que dispondo de condições especiais para o cumprimento da pena. Na prática, o menor dificilmente será condenado como adulto, pois a PEC estabelece que a iniciativa para desconsiderar a inimputabilidade é exclusiva dos promotores e juízes das Varas de Infância e Juventude, ouvindo especialistas da área, o que significa que o menor criminoso, em vez de avaliadores, teria advogados.
Plebiscito pode ser o caminho
É preciso reconhecer, no entanto, que a PEC de Aloysio Nunes sobre maioridade penal é a única com alguma chance de não ser declarada inconstitucional pelo Supremo. Como ela não reduz, de fato, a maioridade penal e condiciona a punição do menor criminoso ao poder discricionário de juízes, promotores e técnicos, a tendência é que encontre respaldo entre os operadores do direito e suscite a simpatia dos formadores de opinião da esquerda moderada, que não se alinham com a visão dogmática do PT sobre maioridade penal. Prova disso é que a PEC de Aloysio Nunes teve o apoio do senador Pedro Taques (PDT-MT), o promotor público que herdou a influência jurídica de Demóstenes Torres no Senado.
Aloysio Nunes e Pedro Taques |
Mas nem Aécio Neves percebe o apelo eleitoral da PEC de seu vice, caso fosse trabalhada como o passo possível, no momento, em direção à redução da maioridade penal. Segundo reportagem do “Estadão”, de 19 de fevereiro deste ano, quando a PEC de Aloysio Nunes foi votada na Comissão de Constituição e Justiça, Aécio Neves se omitiu: ele deixou a comissão antes de ter início a votação e não se manifestou sobre a proposta. Quando indagado sobre o tema, Aécio defende a proposta de seu vice, mas faz questão de ressaltar que ela atinge apenas 1% dos jovens (aqueles que cometem crime hediondo) e que se trata de uma solução paliativa. “A solução é a educação, é a oportunidade, é fazer o Brasil crescer” – diz Aécio.
Pelo visto, o candidato tucano depende exclusivamente do fracasso da política econômica do governo petista para derrotar a presidente Dilma Rousseff, assim como deve agradecer à Alemanha por ter goleado o Brasil, desnudando o fiasco da Copa, que ficaria escondido por trás da conquista do hexa. Como mostram todas as pesquisas de opinião, cerca de 90% dos brasileiros favoráveis à redução da maioridade penal. Mas, como bom tucano, Aécio Neves prefere pedir licença aos 10% que são contra sempre que defende timidamente a proposta. Está sendo muito mais petista do que Lula, afinal os petistas representam bem mais de 10% do eleitorado nacional. Plebiscito já para discutir maioridade penal! É o que deveria propor Aécio se quisesse enfrentar Dilma no campo dos valores, tornando-se menos dependente dos acasos da economia.
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