quarta-feira, 13 de maio de 2015

Agentes penitenciários se sentem reféns de profissão desvalorizada

O uso de álcool, de drogas, estresse diário, convivência com ameaças e frustrações é rotina para quem escolheu a profissão de agente penitenciário em Mato Grosso do Sul.

Os servidores enfrentam um dia a dia desgastante não só ligado à periculosidade do trabalho, mas também porque as condições de trabalho são precárias.

Um dos pontos críticos é a relação entre o agente e o preso. Enquanto o recomendado seria haver um agente penitenciário para cada cinco presos, no Estado a proporção é um para cada 55 – conforme já retratado pelo jornal O Estado na edição do dia 13 de fevereiro deste ano.

Servidores revelam que álcool e entorpecentes fazem parte da rotina; ’90% bebe, 30% usa droga’, diz entrevistado (Foto: Cleber Gellio/Arquivo OEMS)
Servidores revelam que álcool e entorpecentes
 fazem parte da rotina; ’90% bebe, 30% usa droga’,
diz entrevistado (Foto: Cleber Gellio/Arquivo OEMS)
A pressão vivida nessa rotina foi relatada à reportagem por dois agentes, que aceitaram escancarar o cotidiano deles com detalhes, desde que a identidade fosse preservada. Um dos servidores trabalha no sistema prisional há dez anos e aqui será identificado apenas como Agente 1, enquanto o outro tem mais de uma década na carreira e no texto será o Agente 2.



Eles temem represálias, reconhecem que a vida social deles mudou completamente e até ida ao shopping com a família foi praticamente abolida para diminuir o contato com pessoas estranhas e riscos de ataques. Tudo porque trabalham sem segurança e assumem: “Quando a gente entra em serviço, já vira refém. Só não tem rebelião porque os presos não fazem”, assumiu o Agente 2.

Ambos confirmaram que o estresse é comum, principalmente para quem acaba carregando os problemas do presídio para fora do horário de trabalho. “Droga, álcool, depressão, isso tudo tem. O agente vai usar droga, beber. Para ajudar a esquecer o que ele passa”, lamentou o Agente 1.

Nosso Lar é ponto de referência para funcionários encontrarem colegas faltosos

O colega dele, com mais experiência na carreira, foi mais enfático e revelou uma realidade alarmante. “90% bebe, 30% usa drogas. Tem gente que vai trabalhar sem condição, porque está muito cansado, porque bebeu, ou usou drogas. Em geral é a maconha, justamente para relaxar, ajudar a acalmar. Uma menor quantidade usa outros tipos (de entorpecentes)”, cravou o Agente 2.

“Quando um colega deixa de ir, você pode ir no Hospital Nosso Lar (hospital psiquiátrico) que ele pode ter ido para lá para tratar a dependência”, completou.

Em Mato Grosso do Sul, o Sinsap (Sindicato dos Trabalhadores da Administração Penitenciária) aponta que existem 1.440 agentes, sendo que 968 estão lotados para trabalhar especificamente na carceragem. Eles lidam com cerca de 13 mil detentos, espalhados em 25 presídios de regime fechado e 20 do semiaberto. “Tem dia afirma o Agente 2.

“A disciplina fugiu do controle. Não se cobra disciplina do preso, que é uma pessoa que vive à parte da sociedade. Nessa comunidade deles tem regras próprias, linguagem própria. Tudo é diferente”, completa o Agente 1.

Detentos seguem líder que dita regras nos presídios

A lei que dita as atribuições na carreira do agente penitenciário de Mato Grosso do Sul é a nº 4.490/2014, que prevê a orientação ao apenado sobre questões de segurança, disciplina e assistência e ainda refere-se ao zelo pela segurança da Agepen-MS (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), dos estabelecimentos penais, dos presos, funcionários. Mas, essa lei de nada vale dentro dos presídios, onde vive uma “sociedade paralela”.

“Existe aquele respeito (entre preso e agente), mas porque é uma disciplina deles. Existe um deles que é líder, o ‘Disciplina’. É ele que segura o presídio”, revelou o Agente 1. “Durante o banho de sol os grupos se reúnem”, disse o Agente 2.

Depois dessas reuniões, as deliberações são feitas e quando se precisa repassar alguma solicitação aos agentes tudo é feito por uma espécie de CI (Comunicado Interno), que no sistema prisional foi denominado pelos internos como “Bereu”. “Lá eu preciso falar na mesma língua deles. Às vezes, pelo jeito diferente que ele (detento) te cumprimenta você nota que algo pode acontecer”, contou o Agente 1.

A comunicação com a comunidade externa também acontece, pelos celulares. “Quase todo mundo tem celular (dentro do presídio). Os bloqueadores estão lá, mas eu nunca vi uma manutenção. E dentro do presídio tem um pontos onde o celular funciona normalmente”, admite o Agente 2.

http://www.oestadoonline.com.br/2015/05/agentes-penitenciarios-se-sentem-refens-de-profissao-desvalorizada/

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