Agentes batem, mas também apanham dos menores
Uns desistem logo nos primeiros dias que encaram um pátio de unidade na Fundação Casa. Outros se revoltam, agridem internos. Há ainda aqueles que adoecem enfrentando a dura realidade da lida diária com adolescentes infratores em São Paulo. E os números confirmam: quase 10% do efetivo dos funcionários da instituição estão afastados com licença médica.
Além das ameaças de morte, agentes levam surras com caibros em rebeliões |
Segundo o Sitraemfa (Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência e Educação à Criança, ao Adolescente e à Família do Estado de São Paulo), são 1,3 mil servidores tentando se recuperar da depressão, de problemas psicológicos e de ferimentos graves, sofridos durante períodos passados como reféns em rebeliões.
A Fundação Casa tem 13.010 funcionários. E diz que, destes, 693 estão afastados por licença previdenciária e 194 por acidente de trabalho (o que corresponde a 7% do efetivo).
O presidente do Sitraemfa, Júlio da Silva Alves, afirma que, hoje, há muito poucos funcionários com vocação para o trabalho de ressocialização dos adolescentes internados na fundação. “A maioria inicia na instituição porque está desempregada. E a maioria desiste”, afirma. Ele cita um exemplo: “Em 2011, entraram 1.143 funcionários. Ficaram 64”, disse.
Segundo a fundação, desde 2010 foram admitidos 6.262 funcionários, dos quais 1.573 pediram desligamento.
O presidente do Sitraemfa diz ainda que muitos servidores voltam a trabalhar sem condições físicas e psicológicas. “Se ficarem licenciados por muitos dias, perdem pontos no plano de cargos e salários e o bônus por resultados”, explica.
Segundo Alves, o salário bruto do funcionário da instituição gira em torno de R$ 1.743. “Cada adolescente custa ao estado R$ 7,1 mil por mês. Não seria melhor investir em creches e escolas?”, indaga.
O sindicalista ainda lança um desafio: “Quero que você ache um funcionário da Fundação Casa com pelo menos um ano na instituição que não tenha sofrido ameaças de morte feitas pelos menores”.
Entrevista
F._32 anos e sete como funcionária da fundação
Passou por 4 rebeliões e hoje vive em depressão
Com 32 anos de idade e sete de serviço na Fundação Casa, uma funcionária de unidade onde houve rebelião neste ano revela ao DIÁRIO como é o estresse da rotina de trabalho, a alteração abrupta de humor e fala sobre o empobrecimento das relações na família. O nome foi preservado a pedido dela.
DIÁRIO_ Por quantas rebeliões você já passou?
F._ Fiquei refém em quatro desde que entrei na fundação. A deste ano foi a pior. Vi colega ser furado, levei chute na cabeça, nas costas e fiquei quase cinco horas como refém.
Você recebeu, em alguma dessas vezes, atendimento específico?
Em duas vezes me passaram pela psicóloga. Mas foi apenas um dia. Não posso dizer que fui tratada. E me recuso a tomar remédio controlado. Não quero virar vegetal.
Por que você continua no emprego?
Preciso pagar as contas. E tem a estabilidade. Mas isso aqui não é vida para ninguém. Vou tentar prestar outros concursos. Minha filha viu uma rebelião em que eu era refém pela televisão. Saio de casa deixando todos tensos.
Como você está hoje?
Deprimida, irritada. Brigo com os meus filhos por qualquer coisa. E eu não era assim antes.
Sindicato contabiliza 33 rebeliões só em 2013
Em 2005, o número oficial de rebeliões era de 53. Hoje, para a Fundação Casa, são oito. O Sitraemfa, no entanto, tem uma conta diferente. Segundo o sindicato, este ano já são 34 problemas com menores dentro das unidades na capital e interior.
“Há adolescente que vê glamour em dizer que é do crime e o funcionário tem de mostrar quem dá as rédeas. Senão, perde o controle”, disse Júlio Alves. A unidade Vila Leopoldina tinha um exemplo disso desenhado na parede (foto ao lado).
A fundação registrou oito rebeliões, sete princípios de tumulto e 11 movimentos de indisciplina (26 situações).
Júlio Alves reclama da capacitação dos funcionários. “O treinamento é feito só no ingresso do funcionário na instituição. São 15 dias de aulas e não há reciclagem, exceto quando o funcionário pede transferência de unidade”. A fundação diz que há capacitações constantes. “Funcionários que apresentam problema de saúde passam por diagnóstico, atendimento médico e são avaliados pela área de medicina do trabalho da fundação”, garante a instituição.
trabalhador foi espancado na unidade Fazenda do Carmo, em junho de 2013 |
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