O jovem Gustavo Pereira*, de 21 anos, cuida de carros num bairro da zona oeste de São Paulo. Há pouco mais de um ano morando na rua, o garoto já passou pela unidade do Brás da antiga Febem (Fundação Casa). Foi apreendido aos 15 anos por tráfico de drogas, porte de armas e roubo. Rodrigo da Silva*, de 16 anos, também é ex-interno da instituição. Em 2011 esteve lá por tráfico de drogas e roubo. Em 2012 reincidiu nas mesmas infrações, o que lhe custou mais 11 meses.
As infrações cometidas por Gustavo e Rodrigo representam a maioria das internações registradas atualmente no estado de São Paulo. De acordo com dados da Fundação Casa, cerca de 85% dos adolescentes em privação de liberdade cometeram delitos relacionados a tráfico de drogas e roubo. Juntos, homicídio e latrocínio representam 1,5% dos casos. No âmbito nacional os números são proporcionalmente parecidos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ao ser abandonado pelos pais, Gustavo foi criado pelos avós, fase da vida marcada por privações. “Minha família sempre foi simples. Nunca teve muita coisa, sempre morou de aluguel. Eu passava necessidade e tinha que ajudar também. Quando era pequeno comia o resto da feira.” Gustavo começou a vender doces para ajudar os avós, mas o convite para entrar no tráfico não tardou. “Quando fui ver, eu já tava envolvido.”
Aos dois anos de idade foi arremessado contra a parede pelo pai, que estava sob efeito de crack. “Eu tava chorando. Ele falou que eu tava roubando a ‘brisa’ dele”, descreve apontando a cicatriz que ficou marcada na testa.
A negligência e a violência física, psicológica e sexual são os tipos de violação de direitos mais comuns às crianças e adolescentes brasileiros. Entre os meses de janeiro e novembro de 2012, o Disque Denúncia (Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR) registrou 120.344 mil denúncias de violências sofridas por menores.
Gustavo viveu essa realidade muito antes das estatísticas serem publicadas. E as reviveu até mesmo durante a internação na Febem, espaço institucional que deveria garantir a sua integridade. “Se um amigo seu espirrasse e você falasse saúde pra ele, eles (funcionários da Febem) já te agrediam. Se você passasse na frente deles, e se não tivesse com a mão pra trás e a cabeça baixa, eles faziam você voltar. Se você não acatasse a palavra deles, você era agredido.”
Presença materna
Segundo o CNJ, 43% dos adolescentes infratores foram criados apenas pela mãe, e 17% pelos avós. Rodrigo ressalta a importância da presença materna em um dos momentos mais difíceis de sua vida. “Me recordo bastante do sofrimento dos caras que não tinham uma visita, que buscavam o refúgio em Deus. Isso daí foi me fortalecendo, que eu vi que minha mãe nunca me abandonou lá. Ia ser difícil também se minha mãe tivesse me abandonado”.
Perspectivas
Em um questionário respondido ao CNJ em 2011, 86% dos adolescentes que cumpriam internação declararam não ter concluído o ensino fundamental. Praticamente a metade interrompeu os estudos ainda na quinta série. Há uma semana na rua, Rodrigo, que parou de estudar na sétima série, agora quer dar um novo rumo em sua vida. “Vou voltar aos estudos, fazer um supletivo, arrumar um ‘servicinho’, mesmo que ganhe pouco, e levar a vida.”
Gustavo também almeja voltar a estudar e ainda constituir uma família. “Eu tenho um sonho. Eu quero viver bem. Deus não me pôs no mundo pra sofrer. Quero viver bem, quero ter minha família ainda, uma mulher só minha. Quero ter meu filho pra pegar ele no colo e fazer carinho.”
Mais vítimas que autores
Mais de 2 mil adolescentes foram apreendidos em três anos em São Paulo, fazendo chegar a 9.016 o número de internos em abril de 2013. Esse índice representa quase a metade do índice nacional, com mais de 19 mil jovens privados de liberdade.
Segundo o advogado e ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda) Ariel de Castro, existem contradições na divulgação dos dados sobre delinqüência juvenil. Para ele, foi criada uma imagem que não corresponde à realidade.
“Hoje, no país, temos 550 mil presos e 19 mil adolescentes privados de liberdade. Não representa nem 4%. Na verdade, eles [os adolescentes] são muito mais vítimas do que propriamente autores”.
Outras medidas
Para Ivan de Carvalho Junqueira, servidor da Fundação Casa, há certa dificuldade de entendimento por parte do Judiciário. Geralmente, os magistrados consideram a internação uma regra que, ao contrário, deveria ser uma medida excepcional.
“Então, não necessariamente o adolescente cometeu um ato grave do ponto de vista de violência física séria e, de repente, ele acaba desembocando numa internação, quando, na verdade, tem outras medidas como a semi-liberdade e a liberdade assistida. No primeiro momento poderia suprir a necessidade de responsabilização”, explica.
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) normatiza o monitoramento de execução das medidas socioeducativas. A instituição exige uma série de ações para o atendimento adequado aos internos, que vão desde a estrutura física a recursos humanos e contemplam, principalmente, a perspectiva pedagógica. No entanto, segundo a assistente social e integrante do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (Cress), Áurea Fuziwara, esses recursos nem sempre são viabilizados.
“Esse conjunto de elementos que precisam fazer funcionar acaba não sendo viabilizado e daí se diz que a medida não funciona. A nossa discussão é muito mais de pensar alternativas para essa lógica penal coletiva do que aperfeiçoar algo que a gente a princípio não concorda, que é a restrição da liberdade”, atesta Fuziwara.
Faltam varas especializadas
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomenda que todas as comarcas em municípios de médio e grande porte tenham ao menos uma Vara da Infância e da Juventude com competência exclusiva. Em 2012, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constatou que apenas 100 municípios possuíam esse tipo de estrutura.
Considerando a composição populacional dos municípios brasileiros, no país existe um déficit de 182 varas especializadas. Além de atenderem a demandas de outras áreas, os juízes são sobrecarregados. Guarulhos (SP), por exemplo, contabiliza mais de 1,2 milhão de habitantes mas tem um único juiz da Infância e Juventude.
Para Ariel de Castro, advogado e ex-integrante do Conanda, os menores infratores acabam sendo tratados como criminosos. “Nós temos juízes que acumulam funções. Eles cuidam da Vara de Execuções Penais, da Vara de Tribunal do Júri, e muitas vezes são juízes corregedores das prisões das cidades. Então isso dificulta bastante o trabalho desses juízes”, avalia.
O Sudeste concentra o maior número de municípios que ainda não se adequaram. A região carece de 113 varas especializadas. No entanto, Castro alerta que até mesmo aquelas focadas no atendimento exclusivo enfrentam problemas estruturais.
“Muitas vezes não tem uma equipe técnica também multidisciplinar com assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, com técnicos junto ao Judiciário. Então isso também faz com que não sejam varas especializadas e exclusivas”, destaca.
A orientação do Conanda segue o princípio da “prioridade absoluta”, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Ministério Público e as Defensorias Públicas também devem se adequar para garantir a proteção integral dos menores. Na prática, esses órgãos continuam na contramão, como denuncia Castro.
“Os promotores também acabam acumulando funções e é mais raro ainda ter defensores públicos exclusivos.” Ele conclui alertando que o número de apreensões poderia ser reduzido “não fosse a falta de delegacias especializadas da criança e do adolescente, que São Paulo não tem e se nega a ter”.
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=212658
1°, querem que eu chore com a "estória" triste do menor ?
ResponderExcluir2°, maior parte da população jovem e' pobre e não tem envolvimento com a criminalidade .
3°, se e' pra chegar no juiz e dar L.A pra que a polícia prender então ?
4°, unidade seja de internação ou semi liberdade deve-se andar na disciplina: mãos pra trás e cabeça abaixada .