quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Tráfico é o principal crime dos jovens de Bauru

“-O crime é o caminho mais fácil para o menino pobre, senhora. Tem uma biqueira em cada esquina dos bairros da periferia.”

A frase é de Pedro, nome fictício, 17 anos. Aos 15, ele já gerenciava o tráfico de drogas em um dos bairros da zona leste de Bauru. Começou a usar droga aos 13 e não demorou para começar a vender. Inteligente, de boa aparência, logo ganhou posto de chefia. Fez a “administração das finanças” do tráfico no bairro onde morava por cerca de dois anos. 

No tráfico, o ganhar é também sinônimo do perder, e Pedro garante que aprendeu a lição. “Um dia você é pego pela polícia. Não tem jeito de escapar”. Pedro foi  flagrado pela Polícia Militar na esquina de casa, há três meses. Hoje é um dos 45 meninos da Fundação Casa de Bauru que cumprem medida sócio-educativa de internação por tráfico de drogas. 

O número assusta: dos 100 adolescentes internos, 45% estão lá por vender entorpecentes. No último dia 20, o BOM DIA divulgou um outro número assustador. Neste ano, 64 adolescentes já foram apreendidos em Bauru por tráfico, uma média de dois por dia. 

Na ocasião, o delegado da Diju (Delegacia de Polícia da Infância e Juventude), Ronaldo Divino, esclareceu que à polícia cabe o trabalho de realizar a apreensão do jovem infrator. Depois, resta à Vara da Infância e Juventude decidir qual medida o jovem deverá cumprir. 
Mas sempre há perguntas essenciais a serem respondidas. Por que esses jovens entram para o tráfico? O que é feito da vida deles depois da fundação? São reinseridos na sociedade? Voltam a estudar? No futuro, terão emprego? 

Pedro ajuda a responder. Com ele, a diretora da Fundação Casa de Bauru, Silvana Regina Yonashiro, a secretária do Bem Estar Social, Darlene Tendolo, e o coordenador da medida de Liberdade Assistida da Comunidade Bom Pastor, Rafael Campos da Silva, ajudam a esclarecer a situação que, se não está, já deveria estar tirando o sono da sociedade.   

Algo normal?/ “O crime é para quem precisa, não é para qualquer um. Todo mundo que entra tem um objetivo e o meu era ter dinheiro”, diz Pedro, que conta que entrou no tráfico para ajudar em casa. Filho de família humilde, com mais quatro irmãos, o menino relata vontades que todo adolescente tem. 

“A diferença é que o jovem de classe média tem como adquirir o tênis, a marca, a roupa. O menino de classe baixa não tem e vê no crime uma maneira fácil pra isso”, diz a diretora Silvana. 

A maioria dos jovens entra no tráfico porque vê nisso uma maneira fácil de superar dificuldades socioeconômicas. Pedro, por exemplo, relata que como gerente do tráfico chegou a ganhar mais de R$ 2,5 mil por semana. O menino ainda tinha carteira assinada para camuflar a atividade ilícita. “De dia eu trabalhava, pra explicar em casa o dinheiro que entrava, e de noite eu ia vender drogas.”   

O agravante para esse motivo, que por si só já é uma explicação válida, é o fato de o jovem de classe baixa vivenciar o tráfico no dia a dia, crescer no meio dele e passar a vê-lo como algo comum. “O jovem faz aquilo de coração, senhora. Para ajudar a família mesmo. Pra gente, é um emprego normal”.

Rafael dá o exemplo vivido, mas faz questão de frisar que existem exceções. Ele salienta que muitos meninos “de boa família, boyzinho”, em suas palavras, estão no tráfico por outros motivos além do dinheiro. “Eles não precisam mas entram porque brigaram com a família e acham que assim vão chamar a atenção”, conta. 

Silvana confirma o relato do  menino vivido. “Algumas famílias não se conformam em saber que o menino está no tráfico porque afirmam que nunca faltou nada a ele”, diz ela. 

Porque os jovens são escolhidos? /  Pedro tem uma opinião. “O menor pega pouco tempo de cana. Além disso, o cara vivido sabe que o tráfico, ainda mais se for o vapor (venda nas biqueiras), não leva a nada”. É aí que entra o trabalho da fundação. Silvana explica que o objetivo do estabelecimento chamado de educacional pelo estado é justamente formar o jovem como cidadão. 

Ainda que não fique um tempo longo na fundação (a internação pode durar de 6 meses a 3 anos, de acordo com o comportamento do jovem), o papel que ela desempenha é o de proporcionar o restabelecimento. “Nós damos ao menino e à família atendimento individualizado para complementar coisas que ele não teve fora daqui. Nosso papel é executar essa função com qualidade porque acreditamos que dá certo”. 

Assim, na fundação o jovem tem de frequentar aulas e cursos. Ao lado, Silvana explica como é o dia a dia por lá.


Internos da fundação estudam e fazem cursos
O adolescente, jovem entre 12 e 18 anos, não responde ao código penal por estabelecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, quando comete infrações é submetido a medidas sócio-educativas. A medida mais drástica é a internação em estabelecimentos educacionais que, no estado de São Paulo, chama-se Fundação Casa.

A diretora Silvana explica que na Fundação de Bauru, além de aulas, os jovens recebem cursos profissionalizantes. São oferecidos oito por trimestre, como  panificação, elétrica, lancheteria, entre outros. Os jovens internos tem obrigação de assistir às aulas e se matricularem em pelo menos um curso por trimestre. A diretora explica que, de início, há resistência, mas que ela é provisória. “Eles têm uma fase de adaptação. No começo é assim, mas depois se descobrem gostando das atividades”, diz.

Os jovens também têm aulas culturais, como capoeira, violão, teatro e foto, e praticam atividades esportivas.

Além das aulas e cursos, os internos recebem atendimento e acompanhamento pelo município por meio  do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e do Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).  Quando há a dependência química, o jovem tem atendimento médico dentro da fundação e também pode ser encaminhado para internação, com a solicitação e espera de vagas.

A secretária do Bem Estar Social, Darlene Tendolo, explica que o Cras  atua de modo a orientar, acompanhar e ajudar  a família, inserindo-a em projetos sociais e preparando-a para a volta do jovem. “Nós percebemos a angústia da família que  sente que perdeu o controle”, diz. Quando o jovem sai da fundação, o trabalho de acompanhamento continua. Em Bauru, a Comunidade Bom Pastor, conveniada ao município, acompanha os jovens em liberdade assistida.

A diretora Silvana, que está na Fundação desde 2002, acredita em progressos. Ela afirma que o indice de reincidência dos jovens da Fundação em todo o estado de São Paulo é o menor já visto. Nas ocorrências policiais, entretanto, essa melhora ainda não foi constatada numericamente: 90% dos jovens apreendidos pela Diju são reincidentes.


Preconceito torna luta mais difícil
Na Comunidade Bom Pastor são acompanhados os jovens em liberdade assistida. Por lá passam tanto os que já cumpriram período de internação e, após liberados devem ser acompanhados, quanto os que cometem infrações de menor gravidade.  O trabalho da comunidade consiste em reinserir o jovem na escola, encontrar-lhe um emprego, acompanhar a família e prestar-lhe atendimento psicológico.

O coordenador Rafael Campos da Silva explica que a comunidade enfrenta dificuldades devido aos preconceitos que a sociedade ainda tem. Ele relata que até mesmo  encontrar vaga em escolas é um trabalho difícil. “Muitas escolas barram só pelo preconceito de ter um aluno que passou pela Fundação Casa”, diz. A secretária Darlene é enfática ao saber da informação. “A escola tem que trabalhar a inclusão de todas as pessoas. Se isso existe, tem que ser denunciado!”.

Rafael conta que a dificuldade para conseguir emprego também é grande pelo mesmo preconceito de empregar um infrator.  “Nós temos muitas história positivas, mas a maioria é negativa. Eles enfrentam muitas dificuldades”, lamenta e complementa com uma triste afirmação. Há seis anos e meio na Comunidade, Rafael nunca viu tantos meninos envolvidos com o tráfico como hoje. “É um número grande como nunca e que só cresce”.

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