segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Criação de novas vagas na Fundação Casa cai mais de 80% em 10 anos

Na última gestão Alckmin, governo de São Paulo não conseguiu ultrapassar nem o total de vagas criadas em 2006.

Fundação Casa enfrenta maior onda de fuga dos últimos 10 anos (Crédito: CBN)
Fundação Casa enfrenta maior onda de fuga dos últimos 10 anos
Crédito: CBN

Por Edgar Maciel e Évelin Argenta 

A criação de novas vagas na Fundação Casa, instituição que abriga jovens infratores no Estado de São Paulo, caiu 83% nos últimos 10 anos. 
Na última gestão Alckmin, o governo estadual não conseguiu ultrapassar nem o total de vagas criadas em 2006, último ano da Febem.  

A queda nos investimentos, o aumento no número de internações e a falta de perspectiva para liberação de novas vagas, têm levado a Fundação Casa a enfrentar a maior onda de fugas dos últimos 10 anos.

Desde janeiro, 512 adolescentes escaparam das unidades de internação no Estado de São Paulo. Na última segunda-feira (19), 19 internos fugiram do centro João do Pulo, na zona norte da cidade. A casa estava com lotação 30% superior à capacidade máxima. Realidade que atinge uma em cada quatro unidades da capital, segundo levantamento do Ministério Público.

“A situação, previsível e prevista pelo Ministério Público, tende a se agravar. Se não forem criadas mais vagas, se não forem oferecidas condições de habitação saudáveis e salubres, se não forem contratados funcionários para trabalhar com esses adolescentes, vamos ver um grande número de recursos públicos sendo gastos sem um retorno proporcional e adequado”, afirma o promotor da Infância e da Juventude, Tiago Rodrigues.

O promotor é um dos responsáveis por um relatório, de mais de 500 páginas, que denuncia os problemas enfrentados nas unidades da Fundação Casa. A investigação detalha em números a superlotação: das 119 unidades visitadas em junho pelos promotores, 111 tinham internos a mais do que comportam. Em algumas delas, o número ultrapassa a capacidade em 60%, como é o caso de unidades de Campinas, no interior do estado.  

Atualmente, segundo dados presentes no relatório elaborado pelo Ministério Público, mais de 30% dos jovens cumprem o restante da medida em liberdade assistida.  Estratégia que não tem funcionado, segundo o Conselheiro Tutelar Gledson Silva Dezziato.

“Muitas mães comparecem no Conselho pedindo para intervirmos, pois o filho está cometendo ato infracional, ele está correndo risco de vida, está em dívida com o tráfico. Elas pedem que apliquemos alguma medida ou para que o Conselho envie para que ele seja acolhido novamente pela Fundação Casa, que não é a melhor solução, claro”

Superlotação
A Fundação Casa alega que há um déficit de cerca de mil vagas atualmente no sistema. O número de internos, no entanto, dobrou entre 2005 e 2015, chegando a uma média mensal de 10 mil adolescentes neste ano.  Berenice Gianella, presidente da autarquia, justifica a superlotação com o exagero de jovens internados pela Justiça.

“Mais de 30% dos jovens que entram na internação provisória não precisariam estar lá. Há unidades no interior onde 80% dos jovens estão internados por tráfico. O tráfico não deve gerar internação, isso está na lei. Há um exagero de internação no estado de São Paulo.”

Documentos obtidos pela reportagem da CBN mostram que em 2014 e 2015 a Fundação negou vagas para adolescentes, que acabaram sendo liberados pela Justiça. Dentro das unidades, funcionários denunciam fraudes em relatórios para liberar jovens com mau comportamento.

“Conheço jovem que fez funcionário refém. Eu apanhei desse jovem. Eu sei que já tem dois ou três em liberdade, pois fizeram acordo com diretores. Eles fazem um relatório perfeito, dizendo que o menino era bonzinho. Hoje não é o agente socioeducativo que segura  Fundação Casa. O que segura são os adolescentes e os acordos com a direção. Está difícil para nós”, conta um agente que não quer se identificar por medo de represálias.

A presidente da Fundação, reconhece que o clima piorou dentro das unidades neste ano e que as fugas são mais frequentes. O motivo é a insatisfação dos jovens com a burocracia. Segundo ela, quase metade dos relatórios de liberdade feitos pela Fundação foram questionados pelo Ministério Público.

“O adolescente perdeu o respeito pela equipe. Imagine que eu sou assistente social e digo para o adolescente que ele tenha um determinado comportamento. Ele cumpre o combinado. Depois eu digo para ele que propus a saída, mas que ele vai ficar mais cinco ou seis meses até o relatório ser refeito. Nunca tivemos fuga n Fundação com adolescentes com relatório conclusivo (que mostra bom comportamento). Agora temos fugas de adolescentes com relatório conclusivo”, justifica Berenice.

Para o MP, a justificativa não é essa. “Os relatórios técnicos da Fundação Casa e as sugestões ali apontadas nem sempre fornecem os elementos necessários para avaliação pelo Ministério Público e pelo poder Judiciário. Nem sempre aquela sugestão apontada pela Fundação é a mais adequada”, rebate o promotor.

Em um ponto os dois lados concordam: não há solução no curto prazo. O corte de gastos anunciado pelo governo Alckmin no início do ano atingiu a Fundação Casa. Com um orçamento menor em 2015, as obras de três centros foram suspensas. Em 2016 não há previsão de abertura de novas vagas.

 

Vagas abertas por ano na Fundação Casa

2006 : 16 centros finalizados, com 1.084 novas vagas

2007:  15 centros finalizados, com 834 novas vagas

2008:  10 centros finalizados, com 536 novas vagas

2009 :  6 centros finalizados, com 317 novas vagas

2010 :  5 centros finalizados, com 216 novas vagas

2011:    8 centros finalizados, com 424 novas vagas

2012*:  1 centro finalizado, com 12 novas vagas

2013:   6 centros finalizados, com 354 novas vagas

2014:   5 centros finalizados, com 296 novas vagas

2015**: 2 centros finalizados, com 184 novas vagas
 

*Em 2012, segundo a Fundação, a criação de vagas foi menor, pois nesse ano havia vagas de internação sobrando;

**Em 2015, cinco centros tiveram as obras iniciadas, mas os cortes no orçamento promovidos pelo governo estadual fizeram três construções serem suspensas.



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