domingo, 15 de fevereiro de 2015

Aos 25 anos, hora de atualizar o ECA?

Já está mais do que maduro e experimentado


A mãe de um aluno de uma escola pública de Tobias Barreto moveu no ano passado uma ação contra um professor porque este tomou o celular do rapaz quando ele, com fones no ouvido, escutava música durante a aula. A mãe alegou que o filho sofreu “sentimento de impotência, revolta, além de um enorme desgaste físico e emocional”. O juiz Eliezer Siqueira de Sousa Junior, 1ª Vara Cível e Criminal de Tobias Barreto, julgou a ação improcedente.



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No coerente despacho, datado de 29 de maio de 2014, o juiz afirma que não se pode admitir que um aluno desobedeça a um comando ordinário de um professor. “Vivemos dias de verdadeira ‘Crise de Autoridade’ na educação brasileira. Crise esta causada pelo sucateamento dos estamentos educacionais, onde a figura do Professor é relegada a um papel pouco expressivo na sociedade.


Hoje, o professor é tido como uma pessoa que estudou muito e não chegou a lugar nenhum, quando não se diz coisa pior. E ao exercer este ‘carma’, não tem o respeito dos discentes, que passam a questioná-lo sem nenhum embasamento lógico ou pedagógico”.

“Julgar procedente esta demanda é desferir uma bofetada na reserva moral e educacional deste país, privilegiando a alienação e a contra educação, as novelas, os ‘realitys shows’, a ostentação, o ‘bullying’ intelectivo, o ócio improdutivo, enfim, toda a massa intelectivamente improdutiva que vem assolando os lares do país, fazendo às vezes de educadores, ensinando falsos valores e implodindo a educação brasileira”, prossegue o juiz.

E conclui seu julgamento com a defesa daquele que precisa voltar a ser valorizado. “No país que virou as costas para a Educação e que faz apologia ao hedonismo inconsequente, através de tantos expedientes alienantes, reverencio o verdadeiro herói nacional, que enfrenta todas as intempéries para exercer seu ‘múnus’ com altivez de caráter e senso sacerdotal: o Professor.”

Olhando pelo avesso, os professores perderam a autoridade na mesma proporção que os adolescentes se encheram de “direitos”. Próximo dia 13 de julho faz 25 anos que foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Considerado um marco na proteção da infância, o ECA tem como base a doutrina de proteção integral prevista na Constituição, que determina que haja "prioridade absoluta" na proteção da infância e na garantia de seus direitos, não só por parte do Estado, mas também da família e da sociedade.

No ECA estão assegurados os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, as sanções, quando há o cometimento de ato infracional, quais órgãos devem prestar assistência e a tipificação de crimes contra a criança e o adolescente.

Mas para uma parcela importante da sociedade, o ECA virou a "lei dos menores assassinos": atendeu às necessidades da época, mas está defasado, precisando ser reformulado. A maioridade penal, por exemplo, precisa ser discutida, já que hoje um adolescente tem noção das suas responsabilidades.

O artigo 228 da Constituição estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, que devem sujeitar-se a legislação especial. A eventual mudança desse artigo, desejada por muitos, não acontece por causa da politização do assunto, da dificuldade de alterar a Constituição e também do debate sobre se esse ponto é ou não cláusula pétrea, não podendo ser objeto de emenda.

Há quem veja, no entanto, um caminho mais curto, eficaz e viável para punir com mais rigor os crimes violentos praticados por adolescentes. É a mudança do § 3.º do artigo 121 do ECA, que estabelece que, “em nenhuma hipótese, o período de internação excederá a três anos”. Como se sabe, a medida socioeducativa em meio fechado prevista não pode ser superior a três anos e só vale até o infrator completar 21 anos de idade.

Quem é contra a redução da maioridade penal afirma, com razão, que, no Brasil, os adolescentes são mais vítimas do que algozes e que poucos, se comparados ao universo etário no qual estão inseridos, cometeram crimes que mereçam a punição mais severa.

Essa é a questão mais importante que permeia o debate. Mas o que normalmente não aparece nas discussões é o efeito psicológico que o ECA, ou a má aplicação dele, provoca nos adolescentes — e nos adultos que os recrutam para a malfeitoria: eles se julgam não apenas inimputáveis, mas impunes. Podem praticar o que quiserem, que nada acontecerá, segundo acreditam.

AS ESCOLAS SÃO OS AMBIENTES QUE MAIS SOFREM como esse julgamento equivocado e oportunista. Recentemente, um adolescente foi flagrado consumindo cocaína dentro de uma escola pública no bairro Luzia, em Aracaju. Devidamente advertido, ele ousou mandar um email para o diretor admitindo que era não apenas consumidor, mas também traficante, que nada lhe aconteceria por ser menor de idade e que o mataria se fosse impedido de vender a droga.

Tempos atrás, numa outra escola pública, no Siqueira Campos, uma menina de 13 ou 14 anos de idade, que vivia gazeando, chegava para “estudar” tendo o rostinho infantil maquiado, roupas sensuais, invariavelmente trajando saia muito curta. Ela fingia que estava acompanhando as aulas e, no primeiro descuido, desaparecia. Fugia para uma praça onde era comum o uso de drogas baratas e a prostituição. Muito provavelmente a garota se entregava a adultos para levar algum dinheiro para casa.

A situação perdurou por anos porque, a despeito do mau comportamento e das notas baixas da menina, a escola é obrigada a matriculá-la no ano seguinte. Essa é uma medida correta. O que não estava certo é que a mãe só aparecia no início do ano letivo, para não perder a vaga e assegurar que a menina estivesse matriculada, ou quando era para pedir que abonassem as faltas dela — afinal, para garantir a bolsa-família era necessário que a adolescente estivesse matriculada e “frequentando” a escola.

Um dia, enfastiada de ser advertida verbalmente pelos coordenadores e direção da escola, a menina decidiu pedir transferência para outra unidade de ensino. Claro que não conseguiu, afinal era menor de idade e só a pessoa responsável por ela poderia fazer tal solicitação. E que se lembrasse de devolver os livros. Como se sabe, o material do Programa Nacional do Livro Didático é reutilizável por outros alunos e só é reposto de quatro em quatro anos. Ao que ela respondeu malcriada e de pronto: tinha jogado os livros fora. Então foi advertida por isso e orientada a encontrar os livros, pois livros são livros, objetos importantes e serviriam a outros colegas.

Passaram-se alguns dias e a aluna retornou à escola acompanhada da mãe e de um conselheiro tutelar. A mãe chegou esbravejando, afirmando que queria a transferência imediata da filha, enquanto o conselheiro, mais bravo ainda e chamando a atenção para o cumprimento do ECA, repreendia a direção da escola, pois a menina havia passado por um “terrível” constrangimento.

AS ESCOLAS REFERIDAS NÃO PRECISAM SER NOMEADAS e muito menos citados os personagens. A opinião da diretora de uma das escolas: “Os adolescentes de hoje estão cheios de direitos, mas não se pode cobrar os deveres que eles têm. Há um excesso de liberdade supostamente garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que é uma lei maravilhosa, mas que em muitas situações não funciona, porque em contato com a dura realidade sofre distorções e acaba sendo usado para outros fins”.

O que ela quis dizer é que, depois do ECA, a relação com as crianças e, principalmente, com os adolescentes, se melhorou em muitos aspectos, piorou em outros, chegando ao limite da hipocrisia: “Finge-se que a criança aprende desde cedo que é responsável, só que os malfeitores usam os adolescentes porque sabem que a lei os protege. Os próprios adolescentes se prevalecem disso”.

Ele lembra do caso de uma professora que teve o carro novo todo amassado, inclusive o teto, dentro do estacionamento da escola, no Bugio. Quando os meninos foram levados à delegacia, o líder deles pôs os pés na mesa do delegado e desafiou a autoridade dizendo que não podia fazer nada com ele, porque o ECA o protegia.

Constatado que cometeu um ato infracional, o adolescente pode, sim, ser apreendido e submetido a uma medida socioeducativa, que varia da advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a semiliberdade, até a internação. O que o exemplo mostra, além do desconhecimento do adolescente e do próprio delegado quanto à aplicação do ECA, é que o efeito psicológico da legislação está se sobrepondo à própria letra fria da lei. Os adolescentes que estão em conflito com a lei acham que estão imunes às medidas previstas.

O ECA fará 25 anos agora, já está mais do que maduro e experimentado. Talvez seja o momento oportuno de reconsiderá-lo, atualizá-lo ou, quem sabe, adaptá-lo melhor à realidade do Brasil, que não é nada florida.

http://www.infonet.com.br/marcoscardoso/ler.asp?id=168928





ECA não recupera menor infrator e desprotege sociedade:

Paternalismo do Estatuto, curva ascendente de apreensão de jovens envolvidos com o crime e índices pífios de correição põem em xeque eficácia da lei criada em 1990

por EDITORIAL
15/02/2015 0:00

O Estado do Rio apreende a cada 60 minutos uma criança ou adolescente por infração criminal. Ano passado, o número de jovens infratores levados ao Ministério Público ou ao Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Novo Degase), quase 8,4 mil, triplicou em relação a 2010. Levantamento do Novo Degase mostra que a ligação com o tráfico de drogas é responsável por 41% desses recolhimentos; a prática de roubos e furtos, por outros 41%.

Com variações de indicadores e de perfil das infrações, essa é uma realidade que, seguramente, se repete em outros estados.

Em si, são dados assustadores. E eles se agravam ainda mais num país em que vigora uma legislação promulgada com objetivos distintos do que a realidade revela. Na verdade, está no próprio escopo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o conjunto de regras que estabelece as relações do Estado e da sociedade com os menores de idade, uma chave, das mais emblemáticas, para desvendar a razão de a curva que registra o envolvimento dos jovens com o crime permanecer em alta exponencial.

Em vigor desde meados de 1990, o ECA foi legado ao país com o ambicioso propósito de ser um instrumento para a proteção integral de crianças e adolescentes. Mas, quase 25 anos depois de criada, a lei revelou-se incapaz de fazer o poder público cumprir obrigações no resguardo de jovens infratores. E, pelo excesso de paternalismo, tornou-se anteparo para um cada vez maior número de menores de idade que se bandeiam em direção ao crime.
A inócua garantia de proteção e recuperação de menores infratores se reflete no tamanho da leniência do poder público. O artigo 88 do ECA garante a integração operacional de órgãos do Judiciário, do MP, da Defensoria Pública e da Segurança em centros que agilizem o atendimento inicial ao infrator, passo imprescindível para a reinserção social. Pelo menos no Rio, um quarto de século não foi tempo suficiente para que esse organismo de um mundo ideal saísse do papel.

Já a liberalidade do ECA se mede pelas preocupantes estatísticas de apreensões. O Estatuto é pródigo em listar direitos de menores de idade, mas parco em lhes cobrar responsabilidades. Em razão disso, é cada vez maior o número de jovens menores de 18 anos — mas em idade suficiente para ter consciência de seus atos — que, envolvidos em crimes violentos, ficam inalcançáveis pela Justiça.
Quando muito, recebem pequenas punições, cumpridas as quais ficam livres para reincidir em crimes, cada vez mais graves pelo estímulo de uma legislação que destoa da vida real. O país precisa ter a coragem de contemplar mudanças cruciais, como a redução do limite de inimputabilidade, de modo a adequar o ECA aos novos tempos. É debate que exclui paixão e ideologias, à luz dos interesses de toda a sociedade.

http://oglobo.globo.com/…/eca-nao-recupera-menor-infrator-d…

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