Rogério Moroti/Agência Botafogo
No
próximo Estadual, o Botafogo-SP será comandado por um técnico que já
foi campeão paulista. Não se trata, porém, de Doriva, dono do título do
Paulistão-2014 com o Ituano e que assinou com a equipe de Ribeirão
Preto, mas foi para o Vasco.O nome do treinador em questão é Alexandre Ferreira, de 41 anos. Ele é ex-funcionário da Febem, e, como técnico, já foi bicampeão do torneio de futebol organizado entre todas as unidades espalhadas por São Paulo.
Tudo começou quando Ferreira, chateado por não decolar na carreira de jogador de futebol, resolveu tentar a sorte em outro campo. Entrou na faculdade de educação física e, pouco antes de pendurar as chuteiras, aos 27 anos, passou em um concurso público para ser agente penitenciário da Febem de Ribeirão Preto - à época, esse ainda era o nome da hoje chamada Fundação Casa.
Na unidade do interior, trabalhava com menores nível 5, ou seja, os que haviam cometido crimes gravíssimos, como homicídio ou latrocínio, e apresentavam maior risco de fuga. Dos tempos como agente, lembra-se bem de quando houve uma rebelião.
"Foi uma situação totalmente desagradável, que mudou muita coisa na minha vida e me fez pensar muito. Foi terrível, cara... Totalmente surreal, uma coisa louca. É triste até de pensar que já passei por isso", contou, em entrevista à Rádio ESPN.
Cleiton Carvalho/Agência Botafogo
Enquanto
trabalhava na Febem, a diretoria da unidade descobriu que ele estava se
formando em educação física e fez um pedido a Ferreira: que montasse um
time de futebol com os garotos. Foi aí que ele começou a mostrar que
seu talento não era jogar bola, mas sim comandar equipes.Com uma filosofia de olho-no-olho e respeito mútuo, peneirou os garotos e montou um esquadrão imbatível, que foi bicampeão da Copa Fundação Casa sob seu comando. Dessa época, ao contrário dos tempos de rebelião, guarda só alegria.
"Eu sinto saudades da Fundação, acredita? Lá, aprendi grandes valores, que a gente nunca pode perder: respeito, confiança, ser homem de palavra. Foi por isso que me dei bem lá. Os garotos falavam assim: 'Se o Alexandre falou, tá falado'. Eles diziam que eu tinha 'papo reto' e que 'estavam fechados' comigo (risos)", recordou.
Entre os "atletas" que compunham o time, havia até um atacante que havia passado pela base do Marília, mas acabou preso ao participar de um assalto e foi parar na Febem.
Para o comandante, o esporte é praticamente a única maneira de tentar tirar os jovens infratores do mundo do crime. Segundo Ferreira, a melhora no comportamento dos garotos depois da criação do time de futebol foi sensível.
"A minha unidade tinha só garotos presos por casos graves, alguns eram reincidentes, o que tornou tudo mais difícil. Mas dei oportunidade a todos, porque todos tinham o interesse em mudar de vida através do esporte. Tentamos dar oportunidade a todos para sair do meio do crime", afirmou.
"A melhora era visível, o dia a dia ficou muito mais tranquilo, o clima ficou mais alegre. O esporte tem esse poder de transformar, ainda mais o futebol. Tivemos anos maravilhosos na nossa unidade. Ganhamos o Estadual, as Olimpíadas da Fundação Casa e ainda colocamos dois meninos para cantar no programa do Luciano Huck!", ressaltou.
O bom trabalho com os menores infratores chamou a atenção do Olé Brasil, time de empresários de Ribeirão Preto (hoje extinto), que resolveu apostar em Alexandre Ferreira e seu "papo reto". Em 2009, ele foi contratado para dirigir a base do clube, em seu primeiro trabalho como técnico de futebol profissional.
Descobridor de talentos
No Olé, Ferreira mostrou rapidamente que entendia do riscado. Logo após assumir, faturou o Paulista sub-17. Nos anos seguintes, montou equipes que fizeram bons papéis na Copa SP de Futebol Júnior, principalmente em 2012, quando terminou à frente do Fluminense na fase de grupos e caiu nas oitavas para o Atlético-PR.
João Valdevite/Agência Botafogo
Nesse
tempo, revelou jogadores que hoje estão nos elencos profissionais de
grandes equipes do Brasil e nas seleções de base, como João Pedro,
lateral direito do Palmeiras, Gustavo Tocantins, atacante do
Corinthians, Judivan, atacante do Cruzeiro, e Jhon Cley, atacante do
Vasco.Isso tudo trabalhando ao mesmo tempo como treinador do Olé, de manhã e de tarde, e agente penitenciário, no turno da noite. Ele também tentou integrar muitos de seus ex-comandados da Fundação Casa ao elenco do clube de Ribeirão Preto, e ajudou a fazer com que o campeonato das unidades fosse sediado no portentoso centro de treinamento do clube, localizado em uma antiga fazenda.
Após passar quatro anos trabalhando feito louco, deixou a Fundação em 2012, quando recebeu convite do Botafogo-SP para comandar a base da equipe. Mais uma vez, mostrou competência, e logo foi puxado para o time profissional, para trabalhar como auxiliar do técnico Wagner Lopes na boa campanha do time tricolor no Paulistão-2014.
Com a saída de Lopes ao fim do Estadual, Ferreira ganhou sua chance de ouro: assumiu o comando do profissional na Copa Paulista de 2014. Com um time extremamente ofensivo, montado quase que exclusivamente com revelações que ele próprio pinçou na base, fez a melhor campanha da fase de grupos e atropelou rivais até a final, quando acabou como vice - o Santo André levou a taça.
Em 2015, seria o auxiliar de Doriva no Paulista. No entanto, o treinador recebeu tentadora proposta do Vasco e foi para o Rio de Janeiro, deixando o Botafogo sem comando. Em alta com a diretoria, Alexandre Ferreira foi chamado logo no dia seguinte, e topou a missão de comandar o "Pantera" no próximo Estadual.
"Mantivemos a base da Copa Paulista, e pouco a pouco a gente vem se reforçando. Temos uma forma de trabalhar, uma filosofia de jogo ofensivo, então vamos tentar manter, mas sabendo que o nível técnico do Paulistão é muito superior", analisou.
"Vocês acham que me enganam?"
Dos tempos de Fundação Casa, Ferreira diz ter guardado uma série de ensinamentos que o ajudam na hora de comandar um elenco de atletas profissionais. Com o ex-agente penitenciário, não há chance alguma de alguém dar o famoso "migué".
"Eu sempre brinco com eles: 'Vocês acham que me enganam?'. Nem o pessoal da Febem me enganava na hora de passar droga, vocês acham que eu vou cair na de vocês?'. 'Na Febem, eu assistia o treino e ficava de olho pra ver se alguém ia fugir. Vocês acham que vão conseguir fugir da concentração comigo de olho? Nunca!', divertiu-se.
Alexandre, aliás, vem de família boleira, já que seu pai foi lateral direito de Botafogo-SP, Comercial e Vasco. Isso, além de sua formação e pós-graduação em educação física, o ajudaram a conquistar a confiança dos jogadores tanto na Febem quando nos clubes pelos quais passou.
"A questão da minha família ter vindo do esporte, e eu dedicar minha vida ao esporte, sempre me ajudaram na aproximação com os meninos, principalmente na Fundação, porque os garotos vinham da vida difícil na rua, eram desconfiados de tudo", observou.
A busca de Ferreira por mais um título paulista, dessa vez no futebol profissional, começa em 1° de fevereiro, quando o Botafogo enfrenta o Rio Claro, fora de casa, pela primeira rodada do Estadual. Preparado, treinador?
"Claro que estou! Já passei por cada uma, meu amigo..."
http://espn.uol.com.br/noticia/472997_ele-trabalhou-na-febem-e-passou-ate-por-rebeliao-hoje-comanda-time-no-paulistao
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