Transformar os jovens infratores em bodes expiatórios não vai resolver o problema da segurança no Brasil
A julgar
pelas pesquisas de opinião, o Brasil é um país majoritariamente
conservador. Em 2013, o instituto Datafolha aferiu que 48% dos
brasileiros julgavam-se de direita ou de centro-direita, ante 30% da
população que se identificava com pautas progressistas.
Tal distância entre os espectros reflete em parte a opinião dos cidadãos com relação a alguns temas. O casamento gay é rechaçado por 49,7% da população, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes. São contrários ao aborto 71% dos brasileiros, de acordo com o Datafolha. Três quartos dos brasileiros, de acordo com a Universidade Federal de São Paulo, dizem ser contra a legalização da maconha. Essa tendência conservadora acentua-se de forma descomunal quando o tema é a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos, aprovada por 89% da população, segundo pesquisa realizada por Vox Populi e CartaCapital no ano passado.
Tal distância entre os espectros reflete em parte a opinião dos cidadãos com relação a alguns temas. O casamento gay é rechaçado por 49,7% da população, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes. São contrários ao aborto 71% dos brasileiros, de acordo com o Datafolha. Três quartos dos brasileiros, de acordo com a Universidade Federal de São Paulo, dizem ser contra a legalização da maconha. Essa tendência conservadora acentua-se de forma descomunal quando o tema é a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos, aprovada por 89% da população, segundo pesquisa realizada por Vox Populi e CartaCapital no ano passado.
Embora criticada por juristas e especialistas em políticas
públicas voltadas à criança e ao adolescente, a proposta tem ganhado
fôlego no Congresso. Criada em 2011, a Frente Parlamentar pela Redução
da Maioridade Penal conta com o apoio de mais de 200 deputados. A
Proposta de Emenda Constitucional que defende o novo limite, de autoria
do senador tucano Aloysio Nunes, candidato a vice-presidente de Aécio
Neves, deve ir a plenário ainda este ano. Na outra ponta, o PT,
tradicionalmente contrário à mudança, cede à tentação de agradar à
parcela conservadora da sociedade, por cálculos eleitorais ou para
tentar diminuir o estrago que a medida poderia causar. Como opção à PEC
de Nunes, um grupo encabeçado pelos parlamentares Humberto Costa e
Eduardo Suplicy, com participação da ministra dos Direitos Humanos,
Ideli Salvatti, estuda apresentar um projeto que aumenta o tempo de pena
para jovens infratores reincidentes em crimes graves, entre eles
homicídio, latrocínio e estupro.
Ambas as propostas parecem ignorar a
exaustão do sistema carcerário brasileiro, que convive com superlotação
nas prisões comuns e nos centros de atendimento socioeducativo. A
redução da maioridade penal poderia inflar ainda mais a população
carcerária, atualmente superior a 550 mil presos, responsável por
posicionar o Brasil entre os quatro países com maior número de presos no
mundo. A situação poderia ser pior. Segundo um levantamento do Conselho
Nacional de Justiça de 2012, há mais de 500 mil mandados de prisão não
cumpridos, o que poderia dobrar a população carcerária brasileira. Na
outra ponta, a proposta do PT esbarra na falta de espaço nos centros
destinados à criança e ao adolescente. Em São Paulo, 90% das unidades da
Fundação Casa apresentam superlotação.
Para Pedro Serrano,
professor de Direito Constitucional da PUC, o Brasil atravessa um
momento em que o clima político, cultural e midiático
estimula o “punitivismo”: as soluções escolhidas para enfrentar a
violência passam sempre pelo endurecimento das penas. “Acredita-se que
há impunidade no Brasil, mas não é verdade. Punimos muito, mas punimos
mal.” Segundo o jurista, as condições insalubres dentro das prisões
impedem o maior controle por parte do Estado. “Isso estimula o
surgimento do crime organizado. Ao se colocar na cadeia um usuário de
drogas como se fosse um traficante, ele pode se tornar mais à frente um
homicida.” Serrano menciona o caso dos Estados Unidos, onde se estima
que 250 mil jovens são processados, sentenciados ou encarcerados como
adultos todo ano. Em 17 estados, não há idade mínima para um jovem ser
julgado na Justiça Comum. Apesar de as taxas de criminalidade terem
caído no País desde os anos 1990, um estudo do Centro de Controle de
Doenças e Prevenção (CDC) estimou que jovens presos ao lado de adultos
têm 34% mais chance de voltar a cometer crimes.
Fabio Paes, representante da ONG Aldeias Infantis e
integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, afirma que a formulação das perguntas sobre o tema nas
pesquisas de opinião pode levar a distorções. “Quando o enunciado
consiste entre ser a favor ou contra uma pauta que envolve punição, o
cidadão tende a se posicionar favoravelmente.” Essa postura talvez ajude
a explicar as diferenças entre os levantamentos realizados recentemente
por Vox Populi e Datafolha. Enquanto o primeiro questionou se o cidadão
concordava ou não com a redução, o segundo perguntou se os adolescentes
que cometem crimes devem ser punidos como adultos ou precisam ser
reeducados. Segundo o Datafolha, 74% defenderam a primeira opção. Uma
proporção bem mais próxima daqueles que se opõem à legalização da
maconha e do aborto.
Paes afirma que a adesão à proposta é
motivada pelo desconhecimento da população das políticas públicas
desenvolvidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e pela
Secretaria de Direitos Humanos. O Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo, programa da SDH criado em 2012, busca garantir
nacionalmente o cumprimento de modalidades previstas na legislação da
criança e do adolescente que escapem à mera aplicação da punição. Há
oito medidas que deveriam complementar a internação, entre elas a
inclusão em programas comunitários, o tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico e a participação dos jovens em programas para alcoólatras e
dependentes químicos.
Embora ofereça recursos e assistência
metodológica, o Sinase foi adotado por poucos estados, constata Paes.
Muitos deles nem sequer entraram com um projeto para captar a verba. Não
por menos, 0,1% dos jovens em regime de restrição e privação de
liberdade cumpre medidas socio-educativas no País, segundo a SDH. Antes
de cogitar investir em soluções ineficazes como a redução da maioridade
penal, é importante dar uma chance para aquilo que está à disposição, mas não é aplicado.http://www.cartacapital.com.br/revista/812/o-inimigo-errado-3791.html
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