quinta-feira, 29 de agosto de 2013

50% dos flagrantes são de adolescentes

Polícia diz que é crescente o recrutamento de menores de 18 anos nos crimes; em 2013, foram 481 flagrantes em Bauru



Os adolescentes são separados por um abismo. Enquanto parte estuda para garantir um futuro, outros frequentam a “faculdade do crime”. Em uma sociedade marcada pela desigualdade, tal distância só é encurtada em situações críticas. Foi assim um crime ocorrido anteontem, em que dois adolescentes foram assaltados por um trio de mesma idade. E isso não é uma exceção em meio à regra. De todos os flagrantes em Bauru em 2013, metade envolve adolescentes.

O roubo ocorreu na Vila Cardia por volta das 23h30. De acordo com o boletim de ocorrência (BO), as vítimas, de 16 e 17 anos, tinham saído da escola quando foram abordadas por quatro rapazes. O grupo usou dois pedaços de cano revestidos de uma fita isolante para simular uma arma de fogo e levar o celular de um dos jovens.

A Polícia Militar (PM) foi acionada e, nas proximidades, encontrou três adolescentes, de 14, 16 e 17 anos, e um jovem, de 18 anos. Eles foram detidos e reconhecidos pelas vítimas.

O caso somente engrossa uma triste estatística. De acordo com levantamento da PM, entre 1º de janeiro e 19 de agosto, dos 962 flagrantes efetuados em Bauru, 481 envolvem adolescentes. Embasados nos números, as polícias cravam: a cada dia, é crescente o aliciamento de menores de 18 anos na criminalidade.


O delegado seccional Ricardo Martines: “Em algum ponto,
está havendo uma falha na educação”
“Avaliamos tal estatística com muita tristeza. Em algum ponto, está havendo uma falha na educação”, destaca o delegado seccional de Bauru, Ricardo Martines.

Sem questionar a legislação, ele afirma que a Polícia Civil é responsável por fazer a apreensão e apresentar à Justiça. “Não compete a nós questionar. Somos uma entidade legalista. Fazemos a repressão. Outro ponto importante é, por meio da investigação, encontrar o maior que está junto em alguns dos crimes”, complementa.

Porém, retorno quase que imediato dos adolescentes que cometem crimes às ruas é visto com grande preocupação pela PM. “É algo que dificulta muito nossa ação. Sabemos que, em breve, eles (os adolescentes) vão estar de volta às ruas. E vemos que a criminalidade recruta esses jovens justamente por conta da impunidade”, afirma o comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar do Interior (4º BPM-I), tenente-coronel Walter de Oliveira.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que a internação só seja aplicada em três casos: quando o ato infracional é praticado com violência ou grave ameaça; quando há reiteração criminosa; ou quando há descumprimento repetido de medida disciplinar anterior. Quando tal internação ocorre, a pena máxima ao adolescente é de 3 anos.

“A impunidade é grande. É por isso que o crime faz um aliciamento cada vez maior dos adolescentes. E eles começam a se envolver em um número crescente de crimes mais graves. Percebemos que os adolescentes já vêm preparados para estas ações”, alerta o tenente-coronel.

Carro-chefe

Entre os flagrantes, há crimes como roubos, furtos e até homicídios. Tanto que a PM afirma que não consegue reduzir os números de carros furtados ou roubados justamente pelo recrutamento de jovens (leia mais abaixo). Contudo, o carro-chefe é mesmo o tráfico de entorpecentes.

“O tráfico é realmente o crime em que percebemos que os adolescentes são mais usados pelos criminosos”, aponta o delegado seccional Martines.

Os dados da Fundação Casa (antiga Febem) de Bauru confirmam essa realidade. Dos 100 adolescentes que estão internados na unidade atualmente, 85% são por tráfico de drogas.

Por conta disso, o juiz Ubirajara Maintinguer, da Vara da Infância e Juventude de Bauru, instituiu uma política mais rígida na cidade. Para coibir o carro-chefe das ocorrências envolvendo menores de 18 anos, o adolescente apreendido por tráfico de drogas aqui é internado na Fundação Casa. Uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, enfraqueceu tal medida (leia mais abaixo).

“É crescente o envolvimento de jovens em crimes. E a tendência é de que essa realidade só aumente. Os adolescentes encontram no tráfico um ramo que concede o ‘emprego’, paga em dia e ainda faz com que eles sejam respeitados. É algo que preocupa e muito”, finaliza o juiz.

O tenente-coronel Walter de Oliveira: “Adolescentes
são recrutados por conta da impunidade”
Recrutados para levar veículos

De acordo com a PM, além do tráfico, um dos principais ramos da criminalidade que recruta jovens em Bauru é o furto e roubos de veículos. Conforme o JC divulgou ontem, esta estatística aumentou nos sete primeiros meses deste ano na comparação com o mesmo período de 2012.

Dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) mostram que, entre assaltos e furtos, foram levados 35 veículos a mais em 2013. “Acredito que tal aumento seja exclusivamente pela participação de adolescentes nesses crimes.

Eles são recrutados nesses trabalhos por conta da impunidade”, teoriza o tenente-coronel Walter de Oliveira.

Em junho, o JC noticiou o caso de um adolescente de 15 anos que tinha cerca de 10 motos furtadas no “currículo”. Após ser pego com outro veículo, ele disse à reportagem: “eu pego e vendo. Mas não passo necessidade. É para fazer arte mesmo”.


‘As famílias abandonam e as ruas abraçam’

Para o Conselho Municipal dos Diretos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Bauru, a solução para conter o ingresso de adolescentes na criminalidade seria fortalecer a família. “As famílias abandonam e as ruas abraçam”, aponta Sandra Cristina Ferreira Franco, presidente do órgão.

Ela explica que a falta da família não só facilita a entrada dos menores de 18 anos no mundo do crime, mas também dificulta sua saída.

“Nós trabalhamos bastante com a articulação de políticas públicas. Nesse sentido, o ideal é investir muito na família e em projetos alternativos de esporte, educação e cultura para fortalecer a rede protetiva”, destaca.

Como uma “luz no túnel” para mostrar que Bauru não está em meio a uma guerra perdida, ela exemplifica alguns projetos que buscam tal solução.

“Temos as Cips (Consórcio Intermunicipal da Promoção Social), a própria Casa do Garoto e outros projetos que fazem essa função”, complementa Sandra.


Juiz critica súmula que limita internações

Quando se fala em criminalidade e adolescência, o debate pronto é sobre a redução da maioridade penal. Contudo, para o juiz Ubirajara Maintinguer, da Vara da Infância e Juventude, a discussão deve ser feita em outras instâncias. A maior crítica do magistrado é em relação a uma súmula do STJ que enfraqueceu as internações justamente no crime de maior prevalência: o tráfico.

A súmula 492, editada no ano passado, estabelece que “o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente”.

A medida só serve de orientação para os juízes, porém, é usada por advogados para soltar os adolescentes condenados à internação pelo tráfico de drogas. “Sou contra a súmula e não a adoto em Bauru. Porém, os advogados conseguem liberar o adolescente em um tempo curto. Eles voltam às ruas em dois ou três meses”, critica Ubirajara Maintinguer.

Ele defende que o Congresso Nacional deveria estudar uma alteração no ECA e acrescentar o tráfico de drogas na lista de atos infracionais puníveis com internação.

http://www.jcnet.com.br/Policia/2013/08/50-dos-flagrantes-sao-de-adolescentes.html

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