Bandidos recrutam adolescentes para comércio de drogas em Sorocaba; casos aumentaram 90% em setembro
A certeza da impunidade move grande parte dos adolescentes que se envolve com o tráfico de entorpecentes. Cada vez mais jovens, eles passaram a ser recrutados pelo crime em suas próprias casas, conforme já foi noticiado várias vezes pelo BOM DIA.
Agora, dados divulgados pela Polícia Civil mostram que em setembro deste ano o registro de atos infracionais por tráfico de drogas cresceu quase 90%. Das 19 ocorrências no mesmo mês em 2011, o número subiu para 36 este ano.
Uma pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que 86% dos adolescentes internados na Fundação Casa por todo o país são usuários de drogas; 96% são do sexo masculino e 81% vivia com a família até a internação.
Recentemente, guardas civis municipais da Romu (Ronda Ostensiva Municipal) apreenderam um menino de 15 anos. Ele é suspeito de vender drogas no Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério, o Habiteto, zona norte.
Segundo a GCM, havia a denúncia de que um veículo estacionado nas proximidades de um prédio público na entrada do bairro estaria vendendo entorpecentes. “Quando a viatura chegou ao bairro, não encontramos o carro, por isso começamos a patrulhar as ruas do Habiteto para localizar o veículo”, explica o GCM Tiago, que atendeu a ocorrência junto com os GCMs Corrá e Augusto.
No momento em que a viatura da Romu chegou ao campo de futebol do bairro, dois meninos começaram a correr. Um deles foi cercado, após atravessar uma área verde e chegar a um conjunto de casas. O menor pulou o muro e caiu ao lado de um dos GCMs.
O adolescente foi apreendido com porções de crack, cocaína e R$ 99. Apesar deste ser o terceiro ato infracional de tráfico do menino, ele foi autuado e liberado.
Aos GCMs, o garoto explicou que usava o dinheiro para comprar coisas para si e que não ajudava a mãe em casa. “Para eles, o tráfico se tornou um emprego como outro qualquer”, finaliza o GCM Tiago.
‘Tráfico se tornou epidemia’
Promotor da Infância e Juventude explica Súmula do Supremo Tribunal de Justiça, que muda a visão da lei sobre o menor infrator
Em agosto, o STF (Superior Tribunal de Justiça) publicou a Súmula nº 492, que orienta os delegados que recebem os adolescentes infratores, trazidos após um flagrante, a refletir mais antes de aplicar a medida socioeducativa mais severa: a internação na Fundação Casa, que retira o menor do convívio social e do contato com a família.
O texto avalia que “o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente”, orientando que, o menor só deve ser internado de acordo com o artigo 122 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que diz: “quando o infracional é cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa”.
O promotor da Justiça da Infância e Juventude, Antônio Farto Neto, respondeu algumas questões sobre este tema ao BOM DIA.
BOM DIA- O que levou o STJ a tomar esta decisão?
Promotor- O Superior Tribunal de Justiça chegou a conclusão de que o adolescente internado na Fundação Casa estava se tornando um preso político do narcotráfico, que era recolhido não para ser reeducado, mas para ser tirado das ruas a fim de controlar o problema. Porém, as unidades da Fundação continuam cheias, deixando claro que isso não está resolvendo a questão. Estamos combatendo o efeito e não a causa. A repressão não resolveu e, por isso, surgiu esta súmula.
Na prática, o que muda com a súmula?
A súmula não é lei. Ela é uma orientação para o delegado que recebe um menor infrator avaliar qual será a medida socioeducativa empregada. Muitos menores estavam sendo enviados para internação na Fundação Casa na primeira vez que se envolviam com o tráfico. Então, a defensoria estava elaborando muitos habeas corpus. Portanto, agora o adolescente é levado à delegacia, tem o ato infracional registrado e é liberado. Este boletim de ocorrência tem andamento e será investigado pelo juiz que, no andamento do processo, poderá sim pedir a internação deste jovem, mas com mais argumentos, levando em consideração a situação criminal, social e seu histórico. O que muda é que, durante este processo de investigação, o jovem não fica mais internado provisoriamente.
Já que as unidades da Fundação Casa de Sorocaba são vistas como modelo para o Estado todo, privar o jovem da internação é realmente benéfico?
Percebo que a sociedade emite uma opinião massiva sobre o adolescente ter de ficar internado, mas poucos tiveram um real contato com o ato infracional e conhecem esta realidade. Tenho contato diário com estes jovens e suas famílias e vejo que a internação não está mais resolvendo, pois ainda há reincidência. Grande parte destes menores são de famílias carentes e a venda de entorpecentes ainda é muito atrativa.
A situação do menor infrator é muito mais preocupante hoje?
O que é preocupante é o crescimento do número de adolescentes infratores. Vejo que isso é um reflexo do crescimento econômico também, mas o Estado está vivendo uma situação diferenciada, pois o consumo desenfreado de entorpecentes, que era típico de grandes centros urbanos, passou a estar também nas pequenas cidades do interior. Creio que o país foi pego desprevenido com esta epidemia de uso de drogas.
Como o senhor avalia as políticas públicas para recuperação destes adolescentes envolvidos com o tráfico?
Não tenho visto interesse nos políticos em discutir abertamente esta questão. Diante desta epidemia, vejo que o país não está fazendo nada. O tráfico de drogas conseguiu se alastrar muito, pois passa a sensação de futuro próspero para o menor, mas ele não percebe que é apenas ilusão. Além da internação na Fundação, os jovens também têm outras medidas socioeducativas, como liberdade assistida e prestação de serviço comunitário. E em Sorocaba não faltam lugares para dar amparo social e evitar que o jovem entre no vício.
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