terça-feira, 9 de outubro de 2012

Adolescentes perdem a infância para a criminalidade no Centro-Oeste SP


Decisão do Superior Tribunal de Justiça causa polêmica.
Quase 5 mil adolescentes cumprem medidas socioeducativas no estado.


Em dez anos, o número de adolescentes que ingressaram em unidades de internação aumentou quase 400% e surge a questão: menores infratores devem ou não ser apreendidos na primeira vez que cometem um crime? No estado de São Paulo, 4.813 adolescentes cumprem medidas socioeducativas, 338 em unidades da Fundação Casa na região de Bauru (SP), em 80% dos casos, por envolvimento com o tráfico de drogas.

Mas muitos não deixam o crime, um dos motivos porque as unidades de internação estão cada vez mais abarrotadas. Por isso, uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça vem na contramão dessa situação. Atualmente, o adolescente só pode ser apreendido por tráfico de drogas depois de ser detido duas ou mais vezes pela polícia.

Carol* teve a infância perdida para o crime. "Foi por tráfico de drogas sim! Acabei brigando e aconteceu da droga estar na minha bolsa”, conta. Segundo ela, a primeira opção que a levou a seguir esse caminho foram as amizades. “As roupas de marca, o status...é a liderança que a gente tem no ‘rolê’, nas coisas que a gente tem”, completa.

Cerca de 80% dos menores presos no estado estão envolvidos com o tráfico de drogas. (Foto: Reprodução/TV Tem)
Cerca de 80% dos menores presos no estado estão envolvidos com o tráfico de drogas. (Foto: Reprodução/TV Tem)


Douglas* foi preso por jogar videogame em um lugar errado. “Na casa tinha droga e dinheiro, mas eu não sabia! Só estava jogando”, conta. A mãe sofreu com a prisão do filho e afirmou que a situação é angustiante: “dói muito não poder fazer nada”.
Essa dor atinge centenas de famílias todos os dias. Esses personagens principais são participantes reais de cenas assustadoras, cada vez mais comuns nas grandes e pequenas cidades. Mas muitos não querem deixar o crime, um dos principais motivos para as unidades estarem cada vez mais lotadas.

Josias Martins de Almeida Junior, juiz vara da Infância e Juventude de Botucatu diz que a intenção não é punir o adolescente. “A intenção é retirá-lo daquele meio deletério onde ele se encontra, envolvido com as drogas, com traficantes, assegurar a integridade física e psicológica dele, porque quando ele perde a droga para a polícia os traficantes se revoltam, ou se voltam, contra os adolescentes”, explica.


Crianças e adolescentes perdem a infância para o crime. (Foto: Reprodução/TV Tem)



Mudança na lei 
A decisão do Superior Tribunal de Justiça causa polêmica. Mas a população se pergunta se a mudança na lei é eficiente para diminuir a criminalidade.

Para Roberval Antônio Fabro, delegado da Diju, a decisão é prejudicial. “A prova disso é que as estatísticas mostram que na Fundação Casa, o roubo era a maior incidência, hoje é o tráfico de drogas e essa medida eu entendo que vai apenas incentivar os adolescentes a se aventurarem mais nessa atividade, principalmente se na primeira vez que tiver um problema, uma apreensão, ele não sofrer uma represália", explica.

Mas será que o crime (ato infracional), a prisão (internação), a pena (medida socioeducativa) que ganham nomes diferentes no Estatuto da Criança e do Adolescente, são capazes de mudar o pensamento de quem já entrou nesse mundo?
Olavo Pelegrina Junior, presidente da Comissão da Família, Infância e Juventude da OAB Bauru afirma que se mais internações são almejadas é preciso que se mude a lei. “Agora, não é só internar! Se internar para fazer com que nossos adolescentes sejam educados para o crime dentro de uma instituição oficial, isso não vai dar resultado, vai piorar a situação”, ressalta.

Um adolescente apreendido pode ficar de seis meses a três anos sem liberdade e quando a porta da unidade de internação se abre, a vida dele pode se transformar, mas isso vai depender também da ajuda de uma equipe de pedagogos, psicólogos e orientadores sociais que acompanham esse adolescente até o último dia, a chamada liberdade assistida.

Rafael Campos Silva, coordenador da Comunidade Bom Pastor, toda a rede de assistência social de Bauru é usada. “É feito um trabalho individual com o adolescente, que chega com a família e trabalha também no grupo de apoio. Um orientador vai acompanhar o rendimento escolar, de trabalho, curso profissionalizante para reinseri-lo na sociedade", explica.

Esperança
Na comunidade, 90 adolescentes participam do acompanhamento. Catarina*, de 17 anos e Diego*, de 13, estão entre eles. Duas vezes por semana, eles vão ao local acompanhados da família. A mãe do jovem fala sobre a situação: "Eu fiquei sem chão, fiquei deprimida, emagreci nove quilos de ver a situação em que ele estava na delegacia".


Outra mãe conta que quando viu a filha só chorou. “A gente não tinha outra palavra pra falar. Eu ver ela no meio daquelas mulheres, naquela imundice, porque quando eu a vi, ela estava em Avaí, numa celinha imunda com rato, barata, com tudo", lamenta.
Depois de oito meses de internação e mais seis de orientação social, a mãe vai ter a filha de volta. E a jovem promete que vai terminar os estudos. “Quero ter minha própria casa, ter meu carro, ter minha própria formação, por minha independência financeira, sem ter de precisar de ninguém. Sem precisar de drogas, sem ter de ficar me escondendo de ninguém, sem ficar devendo nada pra ninguém”, conta.

*Os adolescentes entrevistado na reportagem receberam nomes fictícios, para preservar a identidade, mas as histórias de vida são reais.

http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/10/adolescentes-perdem-infancia-para-criminalidade-no-centro-oeste-sp.html



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