sexta-feira, 1 de junho de 2012

Crianças na linha de frente da criminalidade

Por dia, três menores, em média, são pegos pela polícia nessa guerra violenta que assola o Vale



Polícia e ladrão. Para Y. a brincadeira infantil se tornou realidade ainda aos 11 anos. Foi detido: furto e tráfico... era figura conhecida dos policiais de Taubaté. Segundo eles, o menino aos 14 já chefiava a venda de drogas no Jardim Mourisco. Sua curta trajetória foi interrompida por outro menor, de 13 anos. Na última terça, Y. levou um tiro na cabeça e morreu, na manhã seguinte. O motivo: o atirador diz que a vítima havia abusado sexualmente de sua irmã.

Caro leitor, crimes como esse se repetem diariamente no Vale -- em média, a cada 24 horas, a região tem três crianças e adolescentes apreendidos. Entre os meses de janeiro e março foram 253, de acordo com os dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo -- cerca de 70% mais do que o primeiro trimestre do ano passado (149). O tráfico é o crime mais comum. Os menores hoje estão na ‘linha de frente’ das drogas -- são eles os responsáveis pela venda direta do entorpecente ao nóia.

São os ‘vapores’ -- quem faz a venda. Mas também em alguns casos assumem postos mais altos na hierarquia do crime, como gerente do tráfico de drogas, por exemplo. Para o delegado Fábio de Carvalho Joaquim, da Diju (Delegacia de Infância e Juventude) de São José, a busca pelo dinheiro fácil é a principal isca usada pelos traficantes para aliciar os adolescentes.

“Se a polícia prende, os traficantes colocam outros adolescentes no lugar. Eles se deixam levar pela ilusão de ganhar dinheiro de maneira fácil e rápida”, declarou o delegado.
Ilusão
“Acho que as duas se deixaram iludir pelo crime, pelo dinheiro que parece vir fácil”, disse a mãe de uma menor detida por tráfico de drogas na região.

Aos 74 anos, uma aposentada moradora da favela Santa Cruz, em São José, entregou nas mãos de Deus a recuperação do neto de 30, no crime desde os 14.
Segundo ela, em todas as vezes que ele foi detido pela polícia, antes de completar a maioridade, se comprometeu a largar o crime. Não conseguiu.

O apelo da vida perigosa foi sempre mais eficiente. “Ele foi preso várias vezes antes da maioridade e não aprendeu a lição. Agora cumpre pena em Tremembé. Só Deus para iluminar o caminho dele”, disse a avó, que perdeu outros dois filhos para o crime.

O Vale, com 159 assassinatos, de janeiro a abril, é a região recordista em violência no interior paulista. A violência mata (acredite) mais do que na Faixa da Gaza. E os menores estão na linha de frente desta guerra.
MP diz que falta ação social em Taubaté
Para o promotor Antônio Carlos Ozório Nunes, de Taubaté, o principal fator do menor estar envolvido com o crime é ausência de estruturação dos serviços de assistência social na cidade, como o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especializada em Assistência Social). “A Justiça está fazendo o que pode, mas vejo que o principal problema da cidade está diretamente relacionado a falta de estrutura familiar, de centros de referências, educação e saúde melhor, esporte e cultura”.
Mãe reza pra filha se recuperar
De dia, meninas. De noite, traficantes. Duas adolescentes de São José, de 13 e 14 anos, surpreenderam os pais ao experimentar a criminalidade e o gosto amargo da violência. Elas foram detidas segunda-feira no centro da cidade, com 70 gramas de cocaína e crack em uma bolsa. Elas irão para uma unidade da Fundação Casa na capital. “Estou sem chão e sem saber o que fazer. Ela nunca deu trabalho e, de repente, começou a mexer com drogas”, disse a mãe de uma delas, uma auxiliar de limpeza de 36 anos. Para a outra mãe, uma telefonista de 37 anos, o desespero está chegando aos poucos. “A ficha ainda não caiu, nem para mim nem para ela. Acho que as más companhias a levaram para as drogas.”

As mães se apegam na fé e oram para que o tempo das filhas na Fundação Casa sirva como lição.
Investir em ações que não exigem alto custo financeiro, mas que podem auxiliar na ‘guerra’ contra o avanço da violência nos municípios. Essa foi a tática adotada por cidades que reverteram o problema de violência, como Diadema. Elas apostaram em regras rígidas, como a lei do fecha-bar e do sossego público, e em obras de iluminação e pavimentação de qualidade.

De acordo com especialistas, a iniciativa do poder público municipal no apoio à segurança é fundamental para a queda dos índices. Considerada a cidade mais violenta do Estado de São Paulo, com uma taxa de 102,8 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes até 1999, Diadema, que fica na região metropolitana de São Paulo, virou o jogo depois de adotar medidas como a lei fecha-bar, investir em projetos sociais e profissionalizantes para crianças, adolescentes e jovens.

“São três tripés que adotamos e que são executados de forma permanente: a união dos poderes públicos, ações de políticas públicas complementares da segurança e aproximação da população”, disse o secretário de segurança de Diadema, Arquimedes Andrade.

Em números, a cidade, que tem cerca de 390 mil habitantes, baixou de 238 assassinatos em 2001 para 35, no ano passado. Para efeito de comparação, Taubaté, com 300 mil habitantes, tem 26 homicídios no ano. Todas ações, como as fiscalizações do cumprimento de lei fecha-bar, por exemplo, contam com o apoio da polícia.

Região
Taubaté vai no caminho contrário. Apesar de ser a cidade com maior problema de violência na região, não conta com guarda municipal, tem um sistema falho e insuficiente de câmeras de monitoramento, não tem fiscais para coibir as irregularidades, como vendedores ambulantes e bares ilegais, e ainda convive com abandono de quadras esportivas, vias públicas e praças. Mesmo diante deste quadro, a prefeitura alega que mantém politicas de segurança e ações sociais e educativas suficientes.

Em São José, que registrou 20 assassinatos de janeiro a abril, a escassez de infraestrutura nos mais de 90 bairros clandestinos, número de vagas limitadas na Fundhas (Fundação Hélio Augusto de Souza) e para tratamento de dependentes químicos são obstáculos.

Promessas no combate às drogas e para atividades ligadas a menores ainda não saíram do papel. Mas também a lentidão em aprovar projetos de interesse público, como fecha-bar e atividade delegada.
Escolas: nota 10 contra a violência no Vale
A quinta-feira foi marcada por um movimento de adesões à campanha O Vale pela Paz por parte das escolas da região. Ao subscrever à causa, elas aceitaram colher assinaturas para a petição. Nelson Machado, diretor administrativo do Colégio Objetivo, no Esplanada em São José, frisou a importância da campanha junto aos jovens. “A iniciativa é extremamente importante. Nós, enquanto educadores, temos que encaminhar os jovens para que eles cresçam conscientes e possam cobrar o poder público também”, disse.

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